terça-feira, 22 de janeiro de 2008

Aljazeera



Quase todo mundo já ouviu falar da Aljazeera, mas quase ninguém assistiu. No Brasil é impossível ter acesso ao canal, pois ele não está disponível no cardápio oferecido pelo monopólio de TV por assinatura (SKY e DirecTV pertencem ambas ao mesmo grupo... o NewsCorp, do ultra-consevador australiano-americano Rupert Murdoch, à qual também pertence a famigerada FoxNews). Melhor dizendo: era impossível. Graças ao glorioso YouTube, a rede árabe de notícias, em sua versão de língua inglesa, está disponível para qualquer pessoa que tenha acesso à Internet. Foi mal, Murdoch. Quem quiser seguir a programação da rede, vá aqui.

Vale realmente a pena. Não há nada semelhante, em qualidade e em variedade. A abordagem é plural, há espaço para os diferentes pontos de vista, sob uma perspectiva de fato global. Um caso exemplar é o programa "Listening Post", sobre a cobertura da imprensa internacional na semana antecedente: veja aqui - parte 1 e parte 2.

Não surpreende, e ilustra bem as diferenças da visão empresarial de cada uma, que toda a programação de todas as redes de TV sob o guarda-chuva das empresas de Murdoch sejam proibidas de ser veiculadas no YouTube... E nem vale a pena comparar o jornalismo nativo com o da Aljazeera... não dá.

sábado, 12 de janeiro de 2008

Cinema e divisão de classes

O documentário “Midnight movies: from the margin to the mainstream” é antes de tudo um registro histórico de uma época – final dos anos 60, decorrer dos 70 – e as transformações da indústria cultural em função do contexto sócio-econômico, dos conflitos políticos e do avanço tecnológico nela ocorridos.

É o fim de um período em que um moviemnto de vanguarda, independete, seja formal, seja substancialmente, tinha que ralar muito até ser incorporado ou aceito no “sistema”. Não havia youtube, MP3 ou I-Pod – ao contrário, prevalecia forte centralização social, econômica, política, cultural. Velhos tempos não tão distantes.

Os paralelos possíveis com o Brasil contemporâneo atestam a riqueza desse filme. Me fez pensar, particularmente, em como o fosso social brasileiro reflete-se em nossa produção áudio-visual em geral, e em nosso cinema em particular.

O típico cinesasta tupiniquim é de classe-média ou alta, faz filmes para os seus pares, bancados pelo dinheiro público (o meu, o seu... o deles). As classes pobres não têm acesso a cultura cinematográfica (“capital cultural”, bagagem cultural), o que os impede tanto de apreciar esse tipo de expressão, quanto, sobretudo, de tornarem-se realizadores eles próprios. Ou seja, não temos cineastas de origem popular ou que tenha desenvolvido/dominado uma linguagem cinematográfica popular tipicamente brasileira (assim como as novelas têm sido historicamente). Não há diálogo. Quando isso ocorre, como MV Bill, é na forma da denúncia social. Falta diálogo intersocial, ou o há de modo assimétrico.

Os poucos casos exitosos tratam justamente, de alguma forma, da fratura social: “Cidade de Deus”, “Dois filhos de Francisco”, “Carandiru”, “Tropa de Elite”, a série “Cidade dos Homens”, a novela “Vidas opostas” da Record. Conflitos sociais – eis a característica básica que define o país, e, igualmente, a nossa restrita produção áudio-visual reakmente popular. Talvez seja esse tipo de cinema que fazemos melhor porque é o mais original, o mais ligado ao Brasil real – e não é à tôa que funcionam inclusive comercialmente. Filmes de violência (sendo esta sempre ligada às desigualdades sociais) está para a cinematografia nacional assim como o biquini na moda, as havaianas nos calçados e a bossa nova na música: legitimamente brasileiro, é o que nos distingue no mundo, é nossa contribuição original para a humanidade.

Ao invés de lamentar-se por mais verbas do Estado – sempre ele, essa puta velha de quem todos querem se aproveitar – precisamos refletir mais a fundo o porquê da falta de público – e conseqüentemente de autonomia – do cinema nacional. Distribuir grana é a melhor solução? Uma avaliação seria necessária, mas a julgar pelo fraco desempenho das bilheterias, não estamos na direção correta. A história das “midnight movie sessions” mostra uma solução de mercado para o problema da falta de distribuição. Mas isso numa sociedade com cultura de cinema e dinheiro para gastar. Que tipo de política seria mais eficaz aqui?

Os setores que pensam cultura no país tendem a espelhar-se no caso francês, defendendo a intervenção estatal na defesa da cultura nacional. O modelo brasileiro de incentivos fiscais ao cinema fracassou em torná-lo popular e auto-sustentável. Uma alternativa deve ser pensada. Na Índia, um país cuja realidade social é muito mais próxima da nossa do que a francesa, a indústria do cinema floresceu. “Bollywood” é um fenômeno de massa. Lá, os filmes são de fato populares (veja o trecho de um típico filme indiano, ao final do texto). No entanto, nos debates sobre o tema, falamos da França mas ignoramos por completo o exemplo indiano. Eu também desconheço como se desenvolveu o cinema indiano até chegar ao que é hoje, mas sei que, lá, há salas de exibição inclusive nos bairros pobres. Para o Brasil, penso em algo que mexa nas duas pontas – na distribuição, com mais salas de bairros, de um lado, e na formação de público, com a descentralização de “cinemas da Fundaj”, do outro.


Cinema popular indiano, um exemplo pro Brasil: