sábado, 20 de dezembro de 2008

E la nave va...


“Mi dicono: ‘fá la cronaca, raconta quello che succede!’

E chi lo sa quello che succede?”

 

(“Me disseram: ‘faça a crônica, conte o que aconteceu!’

E quem sabe o que aconteceu?”).

 

O jornalista, in “E la nave va”, F. Fellini


Tem sido interessantíssimo observar a desconstrução por que vem passando a narrativa oficiosa em relação aos supostos grampos do STF. A versão de Gilmar Mendes/Veja, endossada automaticamente pelas grandes empresas de comunicação, começa rapidamente a ir por terra. Boa parte desse desmonte se deve ao trabalho dos principais blogueiros do país (aqui, aqui ou aqui, por exemplo). Aos poucos, desmonta-se a farsa. A primeira narrativa era a de que a Abin teria grampeado o STF. Assim, a saída de cena de Paulo Lacerda, o então diretor-geral do órgão de serviço secreto brasileiro, seria imprescindível. A Veja divulgou o suposto grampo, a conversa teoricamente gravada entre Gilmar Mendes e o senador pefelista Demóstenes Torres. 

A gravação do suposto grampo nunca apareceu. A Veja nunca divulgou a fonte da transcrição. O novo relatório da Polícia Federal conclui que não houve grampo no STF - leia aqui. Ou a Veja e o presidente do STF foram ingênuos e caíram numa armação montada por alguém (quem seria? Aqui já há uma hipótese). Ou então a armação foi montada pela própria dupla GM-Veja (a dúvida, nesse caso, seria com que intuito o teriam feito). Uma coisa é certa: a narrativa mudou substancial e definitivamente.

O processo de construção de uma narrativa única que Veja/GM tentou montar agora é muito semelhante ao que ocorreu durante o caso do suposto "mensalão". Ali, como aqui, jogou-se uma teoria (narrativa), e toda a grande imprensa corporativa foi a reboque. A diferença, agora, são, basicamente, duas. Uma, é que, realmente, havia irregularidades no caso do suposto mensalão (embora não exatamente como a narrativa oficial queria nos fazer crer). Outra, é que hoje há uma imprensa mais independente (ou pelo menos mais plural) - em boa parte localizada na Internet - e que tem feito um trabalho fantástico de questionar e desmontar a narrativa oficial. Isso é uma mudança recente e incrível. 

Talvez, olhando para trás daqui a alguns anos, possamos identificar nesse período que vivemos agora como sendo o momento de inflexão, quando o pensamento único deixa de ser hegemônico. Apenas três anos atrás, provavelmente a Veja e Gilmar Mendes teriam conseguido passar incólumes. Enganar a patuléia, no Brasil, está destarte mais difícil. Aos trancos e barrancos, avançamos...

quarta-feira, 17 de dezembro de 2008

Mexe, mexe, mexe, mexe

Mexe, mexe, mexe 
Mexe, mexe, mexe 
Por que a arte de mexer vem desde os tempos da pedra
lascada
Todo mundo mexia, todo mundo requebrava
Todo mundo sacudia, todo mundo balançava
E cantava

Mexe, mexe, mexe, mexe
mexe, mexe, mexe, mexe
("Mexe mexe", mundo livre s/a)


Parece até que essa música da mundo livre s/a é o melô do sistema partidário brasileiro... É uma piada de mau gosto esses nossos representantes... Hoje, amanhecemos com a notícia de que a Comissão de Constituição e Justiça aprovou mudanças no nosso sistema político - dentre as quais, as mais importantes são o fim da reeleição e a extensão dos mandatos de 4 para 5 anos.

Sem nem entrar no mérito da questão... pelo amor de Deus, vamos brincar de deixar alguma coisa se institucionalizar, hein? Que tal isso, pra variar? O que dá mais raiva é a motivação por trás dessas mudanças. Antes fosse aquele jeito brasileiro de ir resolvendo os problemas no improviso, por meio de tentativa e erro... O lance é que é tudo para atender interesses particulares! Em 1997, a reeleição foi votada a toque de caixa, para atender ao grupo político do momento - a coligação em torno de FHC. Agora, para atender a outros grupos, que não querem ficar esperando na fila da sucessão, vão acabar com algo que só agora os eleitores brasileiros estavam começando a se acostumar.

Francamente! E tudo isso a despeito dos mesmos eleitores que essa corja diz representar! Ora, se formos ver a percentagem de prefeitos reeleitos nesse ano (67%, segundo este site), é justo concluir que a sociedade brasileira aprova o instituto da reeleição. Entre os cientistas políticos, há bons argumentos a favor e contra tal mecanismo. O que fica claro é que mais essa mudança não vem com o intuito de aperfeiçoar o sistema político brasileiro, tornando-o mais claro e representativo... Vem, isso sim, apenas para fazer a fila andar. Afinal, Aécio é novo mas não quer esperar 8 anos até que possa suceder ao Serra... e por aí vai. Enquanto isso, a reforma política de verdade, substancial... jaz em alguma gaveta do Congresso...

Aproveito para fazer uma defesa enfática da reeleição. Em primeiro lugar, o povo aprova. Além disso, é um mecanismo eficiente de beneficiar o bom gestor e punir o mau, de modo democrático. Aquele gestor que, aos olhos do eleitorado, não fez um bom trabalho, vai para casa depois de apenas 4 anos de mandato. Aquele que tiver seu trabalho aprovado pela população, continua. O argumento de que a reeleição favorece quem está no poder é falha em mais de um sentido. Há o ônus de se estar no poder - todos os problemas da cidade podem ser atribuídos ao incumbente. Por outro lado, nada impede que a máquina (ou o "bônus" do poder) seja usado em favor de um aliado do mandatário incumbente. A história recente mostra que não há nada garantido. Aqui mesmo, em 2000, o candidato incumbente a reeleição, Roberto Magalhães, competiu com apoio dos governos estadual, federal, do poder judiciário local e da imprensa - e perdeu. Marta Suplicy, em 2004, também foi incapaz de se reeleger, assim como todos os governadores do Rio Grande Sul desde que a reeleição foi adotada.

Mas minha raiva nem é com o fato de que algo bom esteja em vias de se acabar... mas é a motivação que move os deputados federais. Como sempre, em nosso país, interesses particulares prevalecem em detrimento do interesse público. Lastimável. Triste do país que tem essa classe política. Galera, pelo menos disfarcem! Finjam algo remotamente parecido com um debate público! Pelo menos isso, pelo mínimo de respeito ao povo, façam um teatrinho! 

segunda-feira, 15 de dezembro de 2008

Notícia e contexto

Notícia não é só o fato. Notícia é o fato inserido num contexto. O fato, por si só, não tem significado. Para que tenha sentido, é preciso que faça parte de uma narrativa. A narrativa pode até estar errada, ser manipulada, mas só assim o fato isolado passa a ter sentido.

O incidente recente dos sapatos jogados contra o presidente W. Bush, no Iraque, proporcionam um exemplo bastante eloqüente de como um mesmo "fato" pode ser abordado de maneiras diferentes. A reportagem da CNN, embora mais longa, é menos informativa e menos contextualizada historicamente. A reportagem da Al Jazeera, por outro lado, vai até o começo da guerra, mostra outros casos que explicam a ofensa que o sapato representa na cultura árabe.

Pena que não tenhamos tanto material jornalístico disponível no YouTube brasileiro... Comparações desse tipo poderiam ser bastante pedagógicas. A investigação sobre Daniel Dantas, que envolve jornalistas, políticos e juízes - todos os quatro poderes da república - tem sido noticiada de formas divergentes por diferentes meios de comunicação. O mesmo "fato" oferece diferentes narrativas... Algo análogo ocorreu no caso do "mensalão" (entre aspas, mesmo). Nesse caso, deu-se uma única, exclusiva narrativa oficial. Até hoje, quem ousar narrar aqueles fatos de forma alternativa é tido como petista lunático.

Quem ousasse dizer que era preciso ir a fundo, às origens do problema, ou era xingado de petista (como eu sou até hoje), ou perdeu o emprego (como Franklin Martins, despedido pela Globo por repetir a pergunta proibida "De onde veio o dinheiro?"). A narrativa oficial era que a corrupção do "mensalão" seria algo restrito ao PT e ao Governo Lula. Passados três anos e meio desde as acusações de Roberto Jefferson, sabemos que a história é mais complexa. Hoje, no caso Daniel Dantas, graças ao trabalho sério do Juiz De Sanctis, do delegado Protógenes, de publicações como a Carta Capital e de jornalistas como Bob Fernandes e Luiz Nassif, temos uma pluralidade de narrativas mais amplamente aceitas.

Sem contar que os blogs vêm ganhando cada vez mais importância nessa construção de narrativas alternativas. Hoje, tem entrevista do presidente do STF, o ilustre Gilmar Mendes, no Roda Viva (na TV de Serra). Um dos melhores textos que você lerá a esse respeito não está em nenhum jornalão... está na blogosfera: aqui.