terça-feira, 31 de agosto de 2010

Lições de um jornalista colombiano

Estamos cansados de saber dos constantes conflitos de Chávez com a mídia engajada na Venezuela. Mas conhecemos pouco sobre o que se passa na vizinha Colômbia. Ali, um oligopólio midiático com ligações umbelicais ao governo Uribe e ao atual (a família Santos, do ex-ministro da Defesa e presidente recém-eleito Juán Manuel Santos, é dona dos principais jornais do país), dispensa um tratamento gentil ao governo. Um jornalista colombiano durante dez anos apresentou o programa Contravía, oferecendo visões alternativas em relação ao conflito armado do país, dando voz aos diferentes grupos envolvidos, mas por isso mesmo desafiando a narrativa oficial do governo (os fins justificam os meios na luta contra o terrorismo) e repetida pela mídia. O seu programa incomodava, apesar da pequena audiência. O jornalista Holman Morris passou dez anos sofrendo ameaças de grupos paramiltares, pois fora tachado pelo próprio Uribe como "terrorista", por dar voz a outras partes envolvidas no conflito. Por fazer jornalismo, virou dissidente. O carimbo de terrorista, na Colômbia, é senha para os grupos direitistas paramilitares "defender a nação da ameaça terrorista". Talvez, o que Uribe estivesse querendo esconder é o custo social da sua guerra contra o terror interna. A Colômbia é o segundo país do mundo com mais "deslocados internos", que é um nome pomposo para dizer refugiados domésticos. O primeiro é o Sudão. Ou então incomode a Uribe que se discuta abertamente em seu país a questão dos falsos positivos. São inocentes - pobres, jovens das áreas rurais - assassinados pelo próprio exército para aumentar os números do "sucesso" da guerra contra o terror - bancada, aliás, com o dinheiro americano, por meio do Plano Colômbia. O jornalista agora recebeu uma bolsa da faculdade de jornalismo da Harvard e vai lá para realizar estudos, mas também, diz ele, para poder viver momentos de paz e tranquilidade com sua família, o que fui impossível durante os dez anos em que trabalhou na Colômbia. Em outras palavras, exilou-se.

Essa história é importante por três motivos.

1. A nossa imprensa se inquieta tanto com os excessos de Chávez na Venezuela, e eles são reais e, de fato, preocupantes. No entanto, os excessos do governo Uribe são solenemente ignorados. No máximo, são relegados ao segundo plano. Por que a cumplicidade? Ou é apenas ignorância? E qualquer dos casos, é mau jornalismo.

2. O segundo motivo é entender o perigo da falta de livre acesso a informação. Uma imprensa oligópolica reflete-se, politicamente, no oligopólio do controle da agenda e da narrativa construída. Uma mídia plural, desconcentrada, pulveriza a capacidade de qualquer único agente ter um predomínio completo sobre ambos. Os custos sociais do cerceio à livre informação na Colômbia são monstruosos.

3. Também é importante ter consciência do que está ocorrendo no resto do mundo para colocar o Brasil atual não só numa perspectiva histórica - com relação ao seu passado - mas também internacional - em relação aos movimentos no resto do mundo. O momento no Brasil é de imensa liberdade de expressão - porém os meios para expressá-las ainda estejam concentrados, ainda que em decadência. Qualquer pessoa que acusar ameaça a liberdade de imprensa no Brasil está mentindo. Pelo simples fato de que a nós, brasileiros, a história de Holman Morris nos parece tão absurda. E isso é um ótimo sinal de onde nos encontramos hoje.


Aqui segue uma entrevista do próprio Morris, em que ele resume a perseguição que sofreu de Uribe simplesmente por exercer jornalismo independente. Uma boa lição para os jornalistas do Brasil.

Colombian journalist reflects on US visa dispute - Cambridge - Your Town - Boston.com