segunda-feira, 13 de julho de 2009

Mês dois (e meio)

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”New York Herald Tribune! New York Herald Tribune! New York Herald Tribune!”




Nem havia completado um mês de Reino Unido e já estava totalmente integrado, juridicamente falando. Já tenho “CPF” (National Insurance Number), casa, telefone, conta em banco, trabalho... Tudo rápido, fácil e prático. Tudo muito anlgo-saxão?


O emprego, tudo bem, não é nenhum emprego dos sonhos... No final das contas, fiquei com um típico emprego temporário de verão: distribuição de panfletos. No caso, para a academia mais cara daqui, a GymBox. As três filiais ficam todas em áreas chics (ou “posh”, porque estou na Inglaterra e não na França!): Bank, Holborn e Covent Garden. Eu faço panfletagem para a da Bank. A vantagem desse trabalho é que é flexível. São três turnos de duas horas cada, de segunda a sexta, e eu vou mais ou menos quando eu quiser. Tenho direito a usufruir da academia também (sauna incluída). E posso viajar quando quiser. Mas o trabalho é ingrato. É sem sentido, na verdade. Se a gente analisar racionalmente, nunca pegaria panfleto. Que tipo de informação inestimável e imprescindível você receberia na rua que não poderia obter, você mesmo procurando? Quem é que recebe um panfleto e diz, “ora, nem tinha pensado nisso! Vou lá pagar 100 libras esterlinas por mês e fazer ginástica nessa academia caríssima!”? Mas, de algum modo bizarro, funciona: há quem pegue os panfletos. Tentei, nessas últimas semanas, identificar um padrão. Será que tem algo que eu possa fazer para ser mais eficaz? Cheguei a algumas conclusões. Asiáticos do Leste quase nunca pegam panfletos; negros quase sempre pegam; quando mulher distribui, muito mais homem recebe panfleto; quando homem distribui, não se observa preferência (conclusão: homem é mais besta que mulher, porque acha que a mulher vai dar algo mais que o panfleto!); turistas são presas fáceis e ótimo pra esvaziar estoque (pegam tudo!). Existem, também, diferentes maneiras de negar. Tem o grosseiro, que faz careta e bufa alguma palavra incompreensível; o delicado, que agradece encarecidamente pelo panfleto oferecido, quase como se eu estivesse fazendo-lhe um favor pessoal; tem o discreto, com um leve movimento circular da mão em sentido horário, com o braço colado ao corpo; tem o que despreza, ignorando solenemente a minha existência; teve um com humor mervaliano-pai: grunhiu algum desaforo incompreensível; e teve o outro com humor mervaliano-pai: foi se aproximando, gesticulou como se tivesse a intenção de pegar o panfleto e, na hora H, se esquivou, rindo; tem o über-simpático, que tá carregado de coisas – pasta, sacola de compras, livros, o escambau –, com as duas mãos ocupadas, geralmente falando ao telefone, e, mesmo assim, dá um jeito pra levantar o dois dedos para que eu encaixe o papelzinho; tem o indeciso, que vem olhando de longe, chega perto, avalia, pega, lê, hesita, e, por fim, quando eu já comemorava ter me livrado de mais um papelzinho, vai e devolve. Aliás, isso quebra a regra implícita da panfletagem. Ninguém força ninguém a pegar papel na rua, mas se você pegou, não devolva! Nós somos distribuídores de lixo! Não coletores: para esse serviço, existem outros profissionais. Isso tem que ser respeitado. Quando alguém vem devolver, a vontade que tenho é de virar as costas e andar na direção contrária. O que mais me irrita é quando a pessoa ainda vem com argumento ecológico: vou devolver pra preservar a natureza. Engane a outro. A árvore já foi destruída muito tempo antes de virar aquele panfleto. Se você quer mesmo ajudar, o melhor a fazer é pegar o máximo possível de panfletos e levar para um posto de reciclagem! Me devolvendo, apenas significa que darei a outra pessoa que irá jogar no chão... Mas concluindo, a verdade é que não existe técnica para distribuição de panfleto. É uma conjunção de fatores que faz com que uma pessoa pegue ou não. Se o dia estiver lindo, estivermos mais distante do epicentro do setor financeiro, for horário de almoço, a pessoa distribuindo for uma mulher e quem receba for um homem, jovem, negro, tranquilo, sem pressa e, talvez, interessado em fazer ginástica, as chances são que ele pegará o panfleto. Eu apostaria nisso...


Aliás, aqui aposta é coisa séria. Desde que Michael Jackson anunciou que faria os 50 concertos aqui, até a sua morte recente (provavelmente vocês devem ter ouvido falar, a menos que tenham passado as últimas semanas passeando em Marte), as chances de que todos os shows seriam realizados diminuiu drasticamente - veja aqui. Quando teve a recente eleição para se decidir o presidente da Câmara dos Comuns (os deputados aqui), o repórter tinha, a seu lado, um quadro-negro indicando a cotação dos favoritos de acordo com as mesas de aposta!


Falando em dia lindo... Embora aqui estejamos em pleno verão, os dias tendem a ser frios e chuvosos. Hoje mesmo, são quase duas da tarde e está fazendo em torno de 19 graus. E nublado. Creio que talvez por essa razão o povo inglês é tão simpático. Eles já acordam sabendo de uma coisa: o tempo vai ser ruim. O que vier é lucro.


Até agora, as impressões que tenho do país são as melhores possíveis – noves fora o clima. Sei que vou chatear algumas pessoas dizendo isso, mas Caetano Veloso tem razão. Em London, London, ele resume muito bem isso aqui:


“I’m wandering round and round, nowhere to go”


Voluntariamente ou não, perambular sem rumo pelas ruas da cidade é algo sempre agradável e interessante.


“I cross the streets without fear”


Mudar de país requer também uma mudança de mindset (mentalidade)... Andar nas ruas de Londres é agradável, entre outras razões, porque não sentimos nenhum dos medos tão típicos das grandes metrópoles brasileiras. Sem medo de violência, da truculência do trânsito, sem medo de gente, em suma. Caminhar pelas ruas de Londres é uma viagem através do tempo e dos lugares do mundo. Vagar distraidamente, observando as diferentes paisagens urbanas, sem receios, sem nenhum dos muitos medos que me definem como brasileiro. Sem medo, tampouco de ver. De ver uma cena de miséria africana ou de ver o Atacadão de Presentes no lugar de onde era o Marista. Ando alguns quarteirões na região de Bank, por exemplo (o centro financeiro da cidade), e passo pelo império romano, depois entro numa ruela que remonta à Idade Média, em seguida passo por uma construção vitoriana e, mais adiante, por um centro cultural modernista.


“Everybody keeps the way clear”

“And people hurry on so peacefully”


Enquanto isso, ao meu redor, tem uma muçulmana vestindo a burka e falando no seu I-phone, e logo ali passa um casal de punks coloridos, e um judeu cruzou comigo e vários sikhs, todos com turbante e com o mesmo estilo de barba, passam também por mim. E passam por mim todas as tonalidades de cor de pele, todos os tipos de chapéus e idumentárias religiosas ou étnicas, homens, mulheres e todos os gêneros existentes entre os dois, e ouço várias línguas serem faladas, e vários sotaques de inglês. E apesar do número imenso de pedestrers, a multidão flui. À vezes, dentro do metrô, é tanta gente, mas tudo funciona. Na escada rolante, sempre as pessoas se mantém à esquerda, deixando o caminho livre para quem quer usar a escada como, hmmm, uma escada e não como elevador. E não há tumulto, não há bagunça, o caminho sempre aberto e “as pessoas se apressam pacificamente”.


“While my eyes go looking for flying saucers in the sky”


Sempre achei esse trecho da música viagem de Caetano. Hoje eu entendo. Eu vivo “olhando pro céu a procura de discos voadores”... na verdade, olhando por aviões. Já cheguei a avistar cinco ao mesmo tempo! Mas o mais comum são dois ou três.


“A group approaches a policeman, he seems so please to please them”


Eu vivenciei esse trecho. Saindo de uma estação de metrô (Canary Wharf), precisava pegar um ônibus. Os dois policiais viam as pessoas meio perdidas, tentando se orientar no mapa, e eles mesmos tomavam a iniciativa de oferecer ajuda, indicando para onde as pessoas deveriam seguir.


“Green grass, blue eyes, grey sky, God bless

Silence, pain and happiness”


Tem muitos parques e áreas verdes e de lazer na cidade. Bastou um princípio de raios de sol conseguir abrir caminho por entre as nuvens, e os gramados ficam coalhados de branquelos de olhos azuis, adquirindo parte da dose anual de vitamina D. O padrão aqui é céu cinzento, mesmo. Não é exagero nem modo de dizer. O vento que chega aqui está recém saido do Polo Norte!


Eu estou morando no bairro Leytonstone. É a última estação da zona 3 na Central Line do metrô. Estou a 30-40 minutos de metrô da London School of Economics, ou 1h30min de bicicleta. Ou seja, longe demais. Aqui está legal por enquanto. Mas deve ser temporário. O meu bairro é multi-cultural. Não me refiro àquele multiculturalismo provinciano de Recife (que acha que diversidade cultural se resume a côco, frevo e maracatu). Multiculturalismo, mesmo. No meu bairro tem gente de todo canto. E se reflete no comércio. As lojinhas na minha vizinhança são etnicamente divididas. Tem a do turco, a do indiano, a do búlgaro, a do paquistanês... mas os clientes são os mais variados. O turco é preferido porque geralmente é mais barato. De acordo com o site Upmystreet, que consultei quando estava procurando onde morar, o meu bairro é de classe-média e com tendência esquerdista. Resumo do meu bairro : nível de renda familiar é média, o de interesse em assuntos da atualidade é alto, o de educação é alto, o de casas com prestação é médio, o de famílias com crianças é médio e o de casas com satélite é baixo. Aqui se encontram populações metropolitanas de colarinho branco com alta concentração de minorias étnicas, ainda de acordo com o site, mas também com minha prórpria vivência. Eu me adequo ao perfil das estatísticas do bairro. Sou uma minoria étnica, afinal de contas. Os habitantes do bairro tendem a ler The Guardian, The Independent ou The Observer, jornais de linha editorial esquerdista. Em geral, as pessoas aqui não têm carro, pois usam o sistema de transporte público.


Estou na região do leste da cidade. As instalações das Olimpíadas serão por aqui. A cidade está em pleno processo de construção e reforma. “Demolir, escavar e projetar” é o lema. A região é tida como mais desvalorizada e é onde se encontram alguns dos bairros mais pobres. Mas é também aqui onde estão as áreas mais boêmias da cidade.


Queria fazer relatos mensais. Mas esse veio atrasado. O problema é Londres. Coisas demais acontecendo e minha curiosidade por conhecer a cidade é imensa. E ainda o trabalho, fisicamente extenuante. Mas que recompensa. Graças a ele, estarei indo visitar Letícia e Diogo! Até o próximo relato!


Eu já sabia disso (Noé tinha falado), mas estou constatando empiricamente. Embora haja trechos da cidade que são um canteiro de obras (principalmente no Leste, em função dos Jogos Olímpicos), a maior parte das obras são de reformas de prédios antigos, e não de construção de novos. Esse aqui está todo empacotado.


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Não é o Vassourinhas! Trata-se da estreia mundial do filme “Harry Potter 5”.