quarta-feira, 22 de agosto de 2007


Caetano na 'Rolling Stones'


A reportagem da Rolling Stones Brasil do mês de Agosto sobre Caetano Veloso está excelente. Ele avisa lá no meio da oito páginas (entre texto e ensaio fotográfico): “Eu adoro dar entrevistas. (...) Gosto de falar, falo sobre qualquer assunto, é só me perguntar que saio respondendo”. Ainda bem. Ficamos sabendo como funciona os bastidores da atual turnê e sobre o processo de criação do belíssimo “”. É divertido saber, por exemplo, Jorge Mautner teve uma crise de choro ao ouvir “Odeio”: “Mautner acha bonito que, na hora que entra o refrão dizendo 'odeio você', a canção, em vez de subir, desça e fique mais terna. Então dizia: 'A gente sabe que dizer 'odeio você' é a maneira mais próxima de dizer 'amo você'. Parece um carinho'.”

A entrevista, porém, vai mais a fundo. O que fica evidente é que poucas pessoas entendem tão bem este país como Caetano. O que não é de surpreender, quando levamos em conta a própria concepção e o legado do tropicalismo. A entrevista apenas reforça esta percepção, além de indicar a sua capacidade de se manter contemporâneo, antenado à época em que vive (como sempre, isso se reflete na sua música: “Cê” é atual tanto na temática como na sonoridade). Fica claro também como Caetano é coerente em sua visão de mundo e como isso se reflete na sua vasta obra.

Numa certa passagem, Caetano critica a geração roqueira dos anos 80 (foi provocado a isso pelo entrevistador), pela negação das referências nacionais. Em suas palavras:

“Não sei se isso é necessário [destronar quem veio antes]. Talvez isso seja contraproducente, porque você entra na coisa parecendo que já não está acreditando tanto no seu taco. Penso como Jorge Luis Borges: 'Um grande autor inventa seus precursores'. Ele fala que muita coisa anterior a Kafka passou a ser mais interessante depois dele. Que o passado foi muito mais influenciado por Kafka que o futuro – ou pelo menos tão influenciado quanto. Eu falava [em um texto escrito, nunca publicado] sobre essa questão dessa primeira grande geração de músicos de rock que funcionou no Brasil em todos os níveis: comercialmente, culturalmente, de personalidade. Foi quando o rock dominou pela primeira vez o panorama da coisa brasileira. Mas os precursores disso pareciam para eles não existir. Nem Roberto, nem Erasmo, nem Celly Campelo. Não tinha nada. Nem Raul Seixas, nem Rita Lee, nada. Só Paula Toller deu atenção à Rita: é a exceção que confirma a regra. É uma falta de vontade de admitir esse desenvolvimento orgânico da criatividade brasileira, do que acontece aqui de fato. E como isso vai encorpando. Cada um tem um desejo de se desvencilhar de tudo isso e se vincular automaticamente a um modelo de língua inglesa. 'Não tenho nada a ver com Raul Seixas, nem com Roberto e Erasmo, nem com os tropicalistas, nem com a música brasileira. Mas tenho tudo a ver com Joy Divison ou The Smiths'. Parece que que tem que ser uma adesão imediata a alguma coisa que é forte no munda da cultura de massa dominante”.


Trata-se de uma análise original, lúcida e sólida da música brasileira dos anos 80. No entanto, a força dessa linha de raciocínio vai muito além disso. Trata-se de uma análise precisa da sociedade brasileira, aquela velha coisa de que sempre ouvimos falar – “o brasileiro tem memória curta”. É o nosso descaso com o passado, seja ele imaterial (pensamentos, filosofias... neoliberalismo à Collor de Melo, por exemplo) ou material (a arquitetura, por exemplo: o que é a verticalização do Recife senão a adoção acrítica de um modelo de crescimento inorgânico e estrangeiro?). O brasileiro tende a pensar que o Big Bang aconteceu na semana passada, e que o Brasil nasceu ontem, no vácuo (espacial e temporal). É a eterna espera pelo Salvador da Pátria; a idéia ingênua de que as coisas acontecerão num passe de mágica. É a tentativa constante de transpor automaticamente conceitos e planos teóricos estrangeiros. É a impaciência relativa ao fortalecimento natural (orgânico) das instituições. Parafraseando Caetano: é uma falta de vontade de admitir esse desenvolvimento orgânico da sociedade brasileira!

****

Homem

não tenho inveja da maternidade
nem da lactação
não tenho inveja da adiposidade
nem da menstruação

só tenho inveja da longevidade
e dos orgasmos múltiplos
e dos orgasmos múltiplos
eu sou homem
pele solta sobre o músculo
eu sou homem
pêlo grosso no nariz

não tenho inveja da sagacidade
nem da intuição
não tenho inveja da fidelidade
nem da dissimulação

só tenho inveja da longevidade
e dos orgasmos múltiplos
e dos orgasmos múltiplos
eu sou homem
pele solta sobre o músculo
eu sou homem
pêlo grosso no nariz

quinta-feira, 16 de agosto de 2007

OS SIMPSONS





Um fenômeno esse filme dos Simpsons. Seu lançamento é uma lição de marketing integrado e bem feito. Sua estréia no Brasil será na sexta-feira, 17 de agosto, e imagino que seja um sucesso.

Nos cinemas daqui do Rio, a maioria das salas têm um grande painel com a família Simpson em seu famoso sofá; ao lado, há um banquinho para as pessoas sentarem e tirar fotos com a família americana. Crianças, principalmente, são muito atraídas pelo simples banco ali ao lado. Mas beleza, não é por isso que a comunicação é bem feita. Mas já mostra uma sacada diferente, convidando o público a interagir com uma peça que normalmente está ali para ser exposta, simplesmente.

Tudo começou nos Estados Unidos. A turma fechou uma parceria com a rede Seven-Eleven (rede de lojas de conveniência) e com a Budweiser nas várias cidades com nome "Springfield". Pois bem, os Seven-Elevens dessas cidades viraram "Kwiki Mart" e as Budweisers viraram "Duffs". Só não contrataram indianos para ficar nos balcões desses estabelecimentos.

Em seguida, eles lançaram uma campanha para definir quais de todas as "Springfields" sediaria a premiere do filme. Para isso, as cidades receberam vários galões de tinta amarela para fazer sua gravação de candidatura. Se não estou enganado, ganhou uma Springfield do estado de Long Island; em torno de 18 cidades pleitearam a vaga o que mostra um interesse e envolvimento de um público grande e geograficamente espalhado.

Existe um site, também, onde você cria um avatar seu para os Simpsons. Funciona parecido ao Second Life e é uma ferramenta super divertida. Não cheguei a finalizar nada, mas brinquei um bocado criando minha versão simpsoniana.

O lançamento da trilha sonora dos Simpsons também foi um sucesso. Como é a caixinha do CD? Um donut, a velha rosquinha com uma cobertura rosada. Sensacional!




Ainda houve outras ações; uma delas chamou muita atenção na Inglaterra. Ao lado da endeusada figura do Gigante de Cerne Abbas, por exemplo, que representa a fertilidade, foi desenhada uma figura de Homer com seu donut. Obviamente que causou muita discussão o que mostra que conseguiram criar um buzz legal em cima do filme. É aquela coisa: bem ou mal, falem de mim.

Mesmo que seja ruim, a expectativa gerada por meio de uma comunicação eficiente é grande. Eles integraram vários tipos de ações diferentes atingindo um público grande e diferenciado.

Estou animado com este filme. Espero que possa assisti-lo em inglês... estou com saudade de ouvir Homer Simpson na versão original...

quinta-feira, 9 de agosto de 2007

O peso da História



Ainda que a História não seja determinante para o desenvolvimento de um país, é evidente que seja uma condicionante no que concerne ao ritmo e à forma como esse processo se dará.


Some-se aos 500 anos de nossa história os cerca de 300 anos prévios de tradição do Estado patrimonialista português. É desse contexto histórico, com toda a sua carga, suas dinâmicas sociais, forças societais heterogêneas e contraditórias, essa profunda herança sócio-cultural, interesses materiais (econômicos) bem arraigados – em suma, de todo esse peso – que o Brasil tem que se desvencilhar para levar a cabo seu processo desenvolvimento econômico, político e social.


Todo esse processo de avanço, vale salientar sempre, sob um regime democrático em construção – no qual todas as vozas, e setores se articulam, se mobilizam, se manifestam. Nossa “glasnost” ocorre ao mesmo tempo que a nossa “perestroika” – e de forma mais exitosa do que lá onde esses conceitos surgiram. Inconscientemente, intuitivamente o povo brasileiro vai construindo algo, calcado na sua herança social e cultural, embasado na sua originalidade mestiça que Gilberto Freyre tão bem detectou e explicou.


É, portanto, natural que transformações levem tempo. Não se darão, para que sejam duradouras e consistentes, de forma imediata nem voluntarista. História é processo. Nem tampouco serão percebidas por seus contemporâneos, dada a tendência que nós temos de olhar o presente sob o prisma do passado.


É fundamental, no entanto, nos darmos conta, nós enquanto sociedade, das mudanças por que o país vem passando nos últimos 25 anos, num contínuo processo de modernização de suas instituições políticas e econômicas e da progressiva e crescente inclusão social. Nós não temos os graves e dilacerantes conflitos étnicos ou religiosos que assolam outras plagas. Temos um foço social perverso, mas que está cedendo lugar a outra, inédita realidade. Devemos reconhecer nossos méritos para percebermos o nosso potencial coletivo – é constatando o caminho que percorremos que podemos vislumbrar o quanto ainda temos condições de seguir adiante.


Nosso país nasceu sob o divórcio entre Estado (poder político) e Nação (povo), como observou R. Faoro. Essa aproximação, desde sempre urgente e desde sempre postergada, vem ocorrendo agora, nessa geração. A Ditadura Militar interrompeu abruptamente esse processo em seu nascedouro com o Golpe de 1964, retardando em uma geração, pelo menos, o princípio de processo dessa reunião entre Estado e Nação. Todos os países hoje desenvolvidos levaram muito tempo para atingir os atuais níveis – alguns até séculos (Ha-Joon Chang escreveu sobre isso). Cada sociedade tem sua dinâmica específica, fruto de sua singularidade histórica. É necessário ter paciência e perspectiva histórica, ajustando nossas expectativas a essas condicionantes. Respeitando, compreendendo nosso ritmo, podemos antecipar um futuro promissor. Claro, o amanhã dependerá das ações que tomarmos hoje. Por enquanto, estamos no bom sentido.