domingo, 27 de julho de 2008

Medo no Amazonas

O "tenebroso" Amazon Park, com a Roosevelt Middle School ao fundo


Em Recife, mais do que em outras metrópoles brasileiras, as pessoas andam com medo, literalmente. Evita-se ir a determinados lugares, ou em horas específicas. Medidas inócuas são tomadas. Fecha-se a janela do carro nos semáfaros. O medo condiciona, cega, nos torna irracionais. Desconfia-se de todos e de tudo. O medo é coletivo, generalizado. O pedestre, o usuário de ônibus, o ciclista e o motorista não se falam nem se comunicam, mau (com "u" mesmo) interagem, mas têm uma coisa em comum: o medo constante. Eis o elemento unificador da identidade brasileira, que atravessa nossas disparidades sociais e regionais. De norte a sul, do morro ao paliteiro, do barraco ao arranha-céu, o sentimento comum a todo brasileiro é o medo.

Eu sou considerado anormal no Brasil porque ando de bicicleta, a qualquer hora, para qualquer lugar, sem medo - de ser atropelado, assaltado ou assassinado. Não deixo de fazer minhas coisas e me recuso a me submeter ao regime da neurose coletiva. Ou assim eu pensava.

Em Eugene, fui jantar na casa de amigos. Depois do jantar natureba, de vinho californiano e de um bom papo, pedalei de volta para casa. Passavam das dez da noite. Era uma noite escura, as ruas pouco iluminadas, apenas a lua me indicando o caminho de volta. Pedalava eu tranqüilamente, até que me deparei com o Amazon Park (Parque Amazonas). Precisaria cruzá-lo para retomar o meu caminho do outro lado. Hesitei. Reduzi a velocidade. Parei. Analisei o entorno. Àquela hora, o parque estava deserto, tudo escuro. Sob a penumbra, distinguia a silhueta das árvores, do passeio, do canal que cruza o parque. Nenhum movimento. Silêncio profundo. Decidi, por fim, dar meia volta, retomar a rua adjacente ao parque. Escuridão, lugar deserto... de onde eu venho, pensei, são coisas a se evitar. Melhor ser prudente.

Já na faixa de bicicleta, na rua, me dei conta da besteira que cometi. Apliquei uma mentalidade que não se adequava com aquela realidade. A ação foi desconexa do contexto. A maior ameaça ali, reavaliei, era eu cair no Amazon Creek (Canal Amazonas) e ficar tremendo de frio. Graças a (ou deveria dizer "por causa de"?) minha condição de brasileiro, perdi uma parte das mais agradáveis do passeio. Mas, confirmei: sou mesmo um brasileiro típico, da gema. Também tenho medo.

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Mais fotos da viagem, aqui.

quinta-feira, 17 de julho de 2008

Welcome to America!


Encontro meu tio americano, Bob, na cidade em que vivemos nos anos 90, Eugene. Depois dos abraços e cumprimentos, a pergunta que se viesse qualquer outro tio ou parente, causaria estranhamento: qual é a onda que ele quer tirar da minha cara? Mas, saída da boca de Bob, seria mais uma anedota do tio americano:

- Bernardo, você fez seguro internacional para vir pra cá?
- Não...
- Você é uma pessoa inteligente, sabe que não está sendo racional, não é? Se você quebrar UM braço, vai lhe custar 20 mil dólares...
- Ah, Bob... eu perguntei ao meu pai e ele disse que não precisava me preocupar com isso.
- Você sabe o risco que está correndo, então...
- O risco é do meu pai!

Risos. Meus. Bob, o tio americano, ficou sério. Nem pensei mais no assunto, minha mente submersa em lembranças, nessa viagem “down memory lane”, como diizem por aqui. Depois de me instalar em casa, a primeira coisa que fiz, 10 anos depois de sair de Eugene e dos Estados Unidos, foi pegar a bicicleta para dar uma volta na cidade, rever tudo... tomar o rumo down memory bike-lane! Afinal, esta é uma das cidades mais bike-friendly do país. Há toda uma infra-estrutura para o ciclista e toda uma cultura de bicicleta. Foi aqui, por exemplo, que aprendi que bicicleta não é só lazer, mas pode ser, também, um ótimo meio de transporte – saudável, econômico e limpo.

Dei uma breve olhada no mapa para me situar – são dez anos, afinal de contas! E lá me vou... Vou em frente, pega a direita, pega a esquerda, acho que me lembro disso aqui, é por ali que vou pra avenida principal, ah é só uma ladeirinha, oops é maior do que pensava, desce da bicicleta, empurra mais um pedaço, tudo que sobe desce, calma, é só mais um pouquinho, ufa, acabou a ladeira, agora é plano de novo, que bom, e agora é só ir nessa direção e já estarei novamente passando bem na frente da Charnelton St., nossa ex-rua...

E de repente... Uma ladeira medonha, uma descida bem íngreme. O guidon da bicicleta começa a tremer nas minhas mãos, fazendo com que os meus braços inteiros se estremeçam. Aparece na minha frente a imagem do tio americano, com aquela voz paternalista, como nos filmes quando o personagem tem uma lembrança: “você não está sendo racional” e “braço quebrado”, “20 mil dólares”. Aí me lembrei do filme mais recente de Michael Moore. Um americano tem um acidente e perde dois dedos e tem que escolher entre o indicador e o médio e opta pelo mais barato...

E o que começou como um agradabilíssimo passeio numa tarde ensolarada tão comum no verão do vale do Rio Willammette, num piscar de olhos se transformou numa pequena aventura que poderia terminar num baita de um prejuízo (pro meu pai!). Com a imagem de Bob de um lado, a do cara dos dedos do outro, eu fixei meu olhar na rua íngrime e cheia de curvas, freando com parcimônia para aproveitar o embalo sem no entanto me estribuchar no chão da Loraine Street. As casas de madeira com plaquinhas de Obama passam por mim, os pinheiros esverdejantes passam por mim, os esquilos me observam, os passarinhos cantam.De todo modo, acho que é isso que ocorre ao meu redor, pois tenho os meus olhos fixados nos pedregulhos da Loraine.

Por fim, chego, são e salvo, à West 29th Street, rua que é perpendicular á Charnelton... E, assim, retomo a rota down memory lane. E a partir daí, é só evitar subidas demasiadamente íngrimes: pois elas sempre vêm seguidas de descidas e eu não quero ter que optar entre se quero manter o dedo de dar dedada ou o de tirar catota!