Tudo começou com Jampa lincando - e elogiando - esse artigo no seu mural do Facebook. Ao que se seguiu o diálogo abaixo:
Cesar Melo: Jampa, meu querido, vou discordar de você. Acho esse texto do Marcelo péssimo. De uma arrogância imensa, típica de quem acha que consultar o google é fazer "pesquisa", quando se tem um bibliografia imensa acerca do tema que o jornalista se deu o trabalho de pesquisar. Tem a arrogância digna dos colonizadores de achar que o território brasileiro, que a floresta é um "território vazio", uma coleção de árvores sem história. É muita ignorância antropológica. É impressionante que, na tentativa de ser irônico, fale das "baleias de xingu" (como que para fazer referência a espécies exóticas defendidas por ambientalistas), e não fala uma vez sequer dos seres humanos direta e indiretamente atingidos por Belo Monte: mais de 24 etnias de indígenas e seus modos de viver estão sendo ameaçados. Pra quê? Em nome de que desenvolvimento? Vejo gente dizendo que Belo Monte existe para que nós, classe média, possamos continuar usando nossos Ipods e laptops. Não é verdade. Belo Monte não está sendo construída para que a família pobre do Bolsa Família possa comprar um microondas! Belo Monte faz parte de um projeto que é resultado do lobby das indústrias eletro-intensivas, como a indústria do alumínio. Essa indústria tem como um dos principais lobistas a máfia dos Sarney, que domina a política energética do país há mais de 20 anos. Para transformar bauxita (mineral bastante abundante no Pará) em alumina, é necessário uma quantidade absurda de energia. O Brasil exporta a tonelada de alumínio primário por 1500 dólares e importa o mesmo alumínio mais trabalhado por 3000 a tonelada. Esse é o modelo de desenvolvimento por trás de Belo Monte. Nada novo. Economia neocolonial no seu estado puro, inclusive com as mesmas consequências para os povos indígenas que estão no meio do caminho.
Bernardo Jurema: césar, brigado por esse texto tão esclarecedor! Eu sabia que era contra a Belo Monte. Agora eu sei por quê sou. O único ponto com o qual concordo com o texto do Marcelo é no que diz respeito ao vídeo - é débil mental, não informa absolutamente nada, vazio, oco. Isso num tema complexo, como você apontou. Poderiam fazer um vídeo explicando, em imagens, o que você, com sua eloquência típica, colocou tão bem em palavras. Eu me recuso a usar aquele vídeo global metido a cool para mobilizar a nossa classe-merda. mas esse teu texto vale a pena sim ser distribuído.
Jampa Paulo Lima: Cesar, acato sua discordância e os esclarecimentos. Eu fui meio que na onda rápida de achar legal a maneira com que ele atacava a falta de informação do comercial. Mas ele ataca o video, sem dúvidas, com mais desinformação ainda. Para quem tiver tempo de ler algo interessante sobre Belo Monte recomendo esse documento.
Cesar Melo: Berna, acredito que o vídeo tem a função de apresentar o assunto para muita gente que sequer sabia da existência do problema. Mas concordo contigo que o vídeo é muito soft e despolitzado. É preciso politizar a questão. Não é uma questão meramente técnica. É uma questão política: que tipo de país a gente quer? que tipo de desenvolvimento a gente advoga? que futuro a gente vai querer para as próximas gerações. É importante explicitar quais são os atores políticos e econômicos envolvidos nessa briga. Jampa, obrigado pelo pdf. Vou dar uma olhada. Também te passo alguns textos, compilados pelo Idelber, sobre Belo Monte (aqui). Vale dar uma olhada, sobretudo no material dos professores Oswaldo Sevá e Celio Bermann. Gente que estuda politica energetica no pais ha anos.
Bernardo Jurema: aqui o vídeo original que esse daí imita.
Jampa Paulo Lima: Sim, obrigado Cesar. O relatório likado por mim foi indicado por Felipe, amigo que é biólogo e acompanha mais de perto essa questão. Antes de você, hoje pela manhã, ele já havia dado um puxão de orelha ao me alertar sobre a fragilidade do vídeo. Eu me sinto nesse caso muito como BJ, eu sabia que era contra sem ter muitos argumentos, porque acompanhava a questão muito por blogues como o do Sakamoto, que enfatiza a questão dos direitos humanos. Eu vou tentar ler essas coisas com mais calma depois... mas a olhada tá garantida!
Cesar Melo: Jampa, vale a pena ler esse trecho do estudo que vc me indicou. O estudo coincide com outros estudos que também li. Essa história de dizer que Belo Monte vai alagar APENAS 516 km2 é lorota para boi dormir. Segue o trecho: "Estes resultados nos conduzem a uma conclusão inevitável: seja viável ou não como empreendimento independente, o Complexo Hidrelétrico Belo Monte irá criar uma enorme pressão para a construção de mais barragens a montante. A própria Eletronorte prevê a utilização média de apenas 40% da capacidade instalada da usina. As simulações com o modelo HydroSim apontam uma taxa de utilização inferior a 20%.
Essa capacidade ociosa representa uma “crise planejada” e deve estimular permanentemente projetos de regularização de vazão do rio Xingu. Por exemplo, se a taxa de utilização fosse elevada até 80% (semelhante à situação de Itaipú), o incremento
no valor bruto da geração das turbinas de Belo Monte seria entre US$1,4 e US$2,3 bilhões/ano, justifi cando investimentos da ordem de US$11 bilhões a US$19 bilhões. Cus tos e Bene f í c ios do Compl exo Hidre l é t r ico Be lo Mont e : Uma Abordagem E conômico-Ambient a l 13
Em função disto, parece muito pouco realista o cenário de um CHE Belo Monte “sustentável”: uma única represa, extremamente produtiva e rentável, que impacte uma área reduzida e já bastante alterada.
Caso o CHE Belo Monte seja efetivado, devemos considerar um quarto cenário, mais realista no longo prazo. Esse inclui, no mínimo, a construção de uma barragem no sítio
Babaquara (agora denominada Altamira). O desenho original para esse aproveitamento indicava uma área alagada de 6.140 km², equivalente a 14 vezes o espelho d’água de
Belo Monte e cerca de 30 vezes a área de fl oresta que Belo Monte inundaria. O valor presente de emissões de gases de efeito estufa atingiria a cifra de US$547 milhões a
US$15/tonelada de carbono. Além disso, afetaria de forma direta as terras indíginas Araweté/Igarapé Ipixuna, Koatinemo, Arara, Kararaô, e Cachoeira Seca do Irirí, além da Floresta Nacional do Xingu"
Jampa Paulo Lima: Cesar, eu tinha lido essa parte do estudo. E achei bem significativo também, ainda nesse resumo executivo, o fato de se ressaltar os estudos de impacto mal feitos apresentados pelas empresas interessadas. Acho que para uma obra dessa envergadura ter estudos de impacto ambiental e social bem feitos seria o mínimo...Mas só essa nossa troca hoje aqui já valeu meu dia!
Gabrilha van der Flou: Obrigada por este debate meninos! vou tentar pesquisar um pouco mais... A energia tb tah dando pano pra manga aqui na França, em meio a campanha presidencial...
Gabrilha van der Flou: pra alimentar o debate e pros francophones ver cenario negawatts (associação francesa pra sair do nuclear) - aqui.
Cesar Melo: Acabei de ver que a maior hidroelética do mundo será construída na República Democrática do Congo. Os principais beneficiados serão os polós industriais e mineradores, além de centros urbanos da África do Sul e até da Europa que receberão energia gerada por essa hidroelética. Será uma Belo Monte africana. Eis aí um exemplo de colonialismo do século 21: veja aqui.