domingo, 22 de janeiro de 2006

Hostilidades

1. Estava eu indo fazer meu cooper diário, aproximando-me do Parque da Cidade. Vestia uma camisa vermelha, das eleições de 2004, estampada com os nomes de Luciana Azevedo (Vereadora 13813) e João Paulo (Prefeito 13). Ia eu, correndo sossegadamente, quando um velho barrigudo passa numa velha bicicleta e, ao curzar por mim, solta: "O PT morreu". E segue pedalando. Covarde. Nem tive tempo para reagir. Foi-se.

2. Novamente, estou eu no meu cooper habitual, à época com meu cabelo longo e a barba crescendo. Espero o sinal fechar para atravessar as seis faixas do Eixo Monumental. Nisso, passa uma kombi, a alguns metros, cujo cobrador grita, de súbito: "Homem da caverna!". Passei um bom tempo rindo sozinho.

3. Outra vez correndo, outra vez indo na direção do Parque. Uns jovens num Chevette anos 80, ou seria 70? - não entendo de carros -, passam por mim, outra vez no Eixo Monumental (Brasília tem uns nomes assim, meio estranhos, pretensiosos, pedantes, ou todas as opções acima). Um deles grita, agressivamente: "Viado!". Não entendi essa aí, até agora.

4. Nos primeiros metros da corrida diária, no descampado que tem no caminho para o Parque, deparo-me com um vira-lata. Em geral, mantenho distância de animais de rua - são sujos, aprendi desde cedo em casa. Mas esse era lindo - preto, brilhante, saudável. Esbocei uma aproximação, estendi a mão. Interpretei uma reação favorável da parte do bicho: ele acelerou seus passos na minha direção. Interpretei errado. Aqueles belos caninos brancos definitivamente não era um sorriso! Ele começava a correr atrás de mim. E mais: ele não estava só. Era uma manilha de vira-latas. Eram três, no total. Três animais selvagens, correndo atrás do transgressor (eu!) que invadia o território deles. De súbito, senti-me num programa do Discovery Channel, e eu não era o predador. Desde que comecei a correr, esse foi o dia em que realmente tinha razões concretas para fazê-lo. E como corri.

5. A alguns metros do meu bloco, em frente ao Colégio Sagrado Coração de Maria (ou alguma variação dessas palavras, não necessariamente nessa ordem), tem, novamente no caminho para o Parque da Cidade, um gramado com umas árvores, em geral não muito altas (porque não muito antigas). Uma das coisas que me fascina em correr é a variedade incrível de pássaros que sempre vejo no caminho. Tem um com uma cauda longa que se abre em forma de "V" quando ele voa. Sempre achei lindo esse bicho. Até que, nesse dia, observei que um deles vinha descendo em minha direção. Descendo velozmente. Muito velozmente. Na verdade, velozmente demais. A ficha demorou alguns segundos para cair. Mas era isso mesmo - ele dava vôos razantes sobre minha cabeça - eu era realmente o alvo. Corri feito um louco. Passada a ameça da Natureza, olhada básica em volta, retomada do ritmo de cooper, aquela cara de tacho do tipo "não aconteceu nada, imagina", sorriso amarelo, e segue em frente. E o pensamento inevitável - "ainda bem que não estava em Recife - com certeza alguém conhecido teria visto a cena". Mas também, lá só tem pardais.

6. Caminhando no meu bloco, indo almoçar. Duas crianças vêm na direção contrária. Uma delas, de uns cinco ou seis anos, me olha, pára um segundo e exclama - "ai, um lobisomem!" - e sai correndo.

3 comentários:

Bernardo Jurema disse...

hahaha

com relação aos humanos de alguns desses relatos, podemos assumir (nós que não vivemos em Brasília) que a cidade carece de diversidade de pessoas. Não há cabeludos, malamanhados, gays ou petistas (fora os políticos) o suficiente para que as pessoas desenvolvam sentimento de tolerância com relação à pluralidade, às diferenças?

quanto à agressividade dos bichos, eles são um espelho do que é a sociedade. hehe

Anônimo disse...

esse pássaro é figura folclórica daqui. ataca todo mundo. você já pode se considerar da cidade! hehe

Bernardo Jurema disse...

nada disso!
é um pássaro candango racista!! ele só ataca índios e nordestinos!!! vamos denunciá-lo, já!