terça-feira, 12 de dezembro de 2006

Pensando a África

compartilho mais um e-mail (este foi o outro) enviado à família por minha mãe, por achar válido aproveitar sua condição de observadora inserida lá no meio, muitas vezes nos rincões de Moçambique, com sua típica capacidade analítica privilegiada.


"Descobri, lendo um livro [a luta pela independência. A formação das elites fundadoras da frelimo, mpla e paigc, de dalila cabrita mateus], o conceito de negritude. Isso me chamou atenção.

António Jacinto é um poeta angolano. Muito engajado, à época, na luta pela independência, é dele por exemplo um poema que expõe a dominação de uma raça pela outra: “o meu poema sou eu-branco/ montando em mim-preto/ a calvalgar pela vida”. Pois bem, ao se publicar uma coletânea de autores africanos, uma corrente tentou barrar a publicacao de seus poemas pelo simples fato de ele ser branco....[afinal seus poemas foram publicados]

No entanto, uma outra corrente de poetas concentravam a atenção no negro dos estados-unidos da américa [pra satisfazer bernardo], que apesar de serem negros e portanto com uma grande identificação física, tinha enormes diferenças culturais... [isso era nos anos 1940-60]

Quem é mais negro, um antonio jacinto, ou um negro da geórgia-ee.uu.?? é aih que entra o conceito de negritude, que não diz respeito a cor da pele, mas as apropriações culturais. A própria burguesia negra da áfrica se comportava como brancos europeus... e ainda hoje. Enquanto que os negros norte-americanos tinham valores mais brancos que antonio jacinto....[alias, diz cabrita mateus, “fora de angola, ninguém sabia que jacinto era branco...]. e a conclusão, é que existem “fortes diferenças culturais entre os diversos grupos negros, africanos ou americanos”

Outra coisa que me chama a atenção é uma citação que ela faz do autor martinicano Frantz Fanon [no livro os condenados da terra], que denuncia o fato de o povo [dos países que vão ficando independentes] estagnar “lamentavelmente numa miséria insuportável, sem consciência da traição inqualificável de seus dirigentes ... Os privilégios se multiplicam, triunfa a corrupção, os costumes corrompem-se. Os corvos são agora muito numerosos e vorazes, dada a magreza do espólio nacional”

Outro livro,que não conheço mas gostaria de ler é A África começa mal, de René Dumont.

Ele denuncia a casta privilegiada de ministros, deputados e funcionários que, nos novos países africanos equivaliam a corte de luis XVI, pela mentalidade parasitaria que ostentavam e produtividade quase nula. Referia, ao fausto, multiplicação de viaturas, recepções à européia, e reserva nos bancos suíços para velhice: “para demasiadas elites africanas a independência consistiu em tomar o lugar dos brancos e em gozar as vantagens muitas vezes exorbitantes até aí reservadas aos coloniais. Denunciava ainda a ambição de funcionários subalternos: ‘o africano arrivista diz-se obrigado a tomar conta não só da família, sempre numerosa, mas muitas vezes dos amigos e até da aldeia.”

A questao é que realmente começou mal, e ainda continua até hoje, sem mudança... os exemplos são numerosos por toda áfrica....

Prontos, foi so pra compartilhar com vocês algumas leituras, nesta minha estadia solitária em Beira.

Cheiros, aninha"

3 comentários:

Anônimo disse...

Muito interessante as reflexões de sua mãe. Levam a pensar o quanto toda essa discussão sobre "políticas identitárias" tem um quê de arbitrário. Sobretudo as identidades "afro", que procuram ser restauradas atualmente em muitas sociedades ocidentais. O que muitas vezes esquecem é que a África é um continente que tem História - conflitos, lutas entre etnias e grupos de poder - e que está longe de ser um bloco monolítico com uma cultura definida. Digo isso pensando em alguns grupos norte-americanos que no afã de reconstruir uma identidade africana acabam criando uma África idílica que só existe na imaginação deles.

Anônimo disse...

Pois é, olha o tamanho do continente africano, o problema eh que nossoa visao parte de uma profunda, mas profuda mesmo ignorancia da historia mais geral dos paises africanos. Porém so o fato de haver uma discussao tao intensa sobre isso de "o que é ser negro", já revela a ferida imensa, que doia em muitos, mas principalmente naqueles que a sentem internamente.
Esperoa que vossa mãe continue contribuindo para o vosso blog.

João disse...

que alegria chegar aqui e econtrar estas impressões e reflexões tão agudas e pertinentes sobre o mundo. fico contente de ver que aninha é a mais nova colaboradora, no fundo a mais antiga. o blog ta de parabéns. a gente se encontra em qualquer dia em qualquer lugar. saudações a toda familia e um belo 2007.
abraço grande