domingo, 4 de fevereiro de 2007

Privatizaram o horizonte!


“Na cidade as grandes casas fecham a vista à chave,

Escondem o horizonte, empurram o nosso olhar para longe de todo o céu,

Tornam-nos pequenos porque nos tiram o que os nossos olhos nos podem dar,

E tornam-nos pobres porque a nossa única riqueza é ver”.


Fernando Pessoa (Alberto Caeiro)


As constutoras de Pernambuco repetem o que as elites sempre fizeram no país. Desde quando, no século XIX, setores das classes dirigentes assumiam um discurso liberal inspirado nos mais nobres ideais iluministas universalistas apenas para realizar seus interesses privados (já falei disso antes!), esse expediente tornou-se uma constante. Assim, as construtoras defendem-se por trás de uma retórica pretensamente progressista e democrática, apenas para perseguirem a inescrupulosa e inconseqüente realização de lucros tão altos quanto os prédios da cidade!


Democracia não prescinde de regras; muito pelo contrário, ela implica no estabelecimento e cumprimento de regras claras que regem o convívio coletivo (quando conveniente, costuma-se confundir democracia com anarquia). O discurso falsificador daqueles que destróem a nossa cidade encontra ressonância nas classes médias. Essas admiram a “beleza” e aspiram comprá-las. Não importa que esse processo esteja minando sua própria qualidade de vida – legitimiza-a porque deseja-a, ainda que não a tenha. O sonho é chegar no topo – literalmente.


O conceito deturpado de “modernidade” implica um tipo de desenvolvimento truculento, auto-destruidor. Extraindo do ideal fáustico de modernidade apenas aquilo que ele tem de mais danoso – profundo desdém pelas conseqüências do progresso – sem pelo menos buscar aquilo que tem de humano – intensa energia criativa e criadora inspirada no avanço técnico-científico.


Todas as sociedades sadias – e de todas as espécies – seguem o impulso natural da auto-preservação. Um modelo de crescimento urbano que não leva em conta as limitações geográficas e estruturais, então, se revela moralmente condenável. Ao mesmo tempo que se constróem prédios cada vez mais altos, estamos usando, de modo totalmente inconseqüente, os recursos naturais que a cidade oferece – em particular, as águas públicas dos lençóis freáticos e os rios e mares. Os tubarões de Boa Viagem, o avanço do mar em Piedade, a podridão dos rios e a falta d'água que

aflige boa parte da população são conseqüências diretas de ações humanas sobre o meio-ambiente por parte da sociedade pernambucana. O assalto às águas coletivas perpetrado pela classe média tampouco passará incólume – e nem a verticalização.

Quando iremos nos preocupar com isso? Como no caso dos tubarões, quando já seja tarde? Deixaremos a conta para os nossos descendentes (mais uma)? E naturalizaremos mais esse problema socialmente construído? Esse modelo, literalmente, não se sustentará a médio e longo prazos. Que sociedade é esta que vamos legar às próximas gerações?


foto acima - isso também é Recife. Ainda.

Pior do que o descaso com sua memória, seu passado, na forma da aniquilação radical dos prédios e casarões antigos – pode-se, afinal, argüir que se trate apenas de uma

questão estética –, é a despreocupação com o futuro e seus habitantes – nossos próprios filhos e netos – e aqui, trata-se, sem dúvida, de uma questão moral.


Mas, e uma coisa não está ligada à outra?

5 comentários:

Anônimo disse...

Belo post. Numa época de retóricas apocalípticas em torno ao tema do meio ambiente, é muito mais confortável demonizarmos os EUA e a China, do que apontarmos para nossa própria ferida, a recifense, onde em escala menor - mais proporcional ao nosso tamanho - estamos sendo tão funestos e inconsequentes em relação a sustentabilidade do meio ambiente e da sociedade que vamos legar a gerações futuros.

slavo disse...

Uma das maiores calamidades do Estado de Pernambuco é a falta d'água. Há mais de 10 anos a população sofre com um racionamento IMORAL (isso sem falar na falta de saneamento). As pessoas tem mais dias sem do que com água. Puro descaso com a população mais pobre, pois parece que o problemas que atingem nossa sociedade, só são realmente problemas quando atingem da classe média pra cima.

Dado disse...

Fiquei pensando nos prédios no dia da eleição. A Praça de Casa Forte tomada de arranha-céus. Me lembrei da revistinha de Cavani que criticava os espigões, na Década de 80. E pensar que foi só o PT assumir a Prefeitura para o meu bairro ser destruído...

www.horoscopo.blogspot.com

Bernardo Jurema disse...

Dado, eu sei que tu tens, digamos, questões pessoais com a PCR. Mas seja justo. O processo de verticalizacão de Casa Forte antecede à ascensão do PT à PCR. Esses prédios que hoje destróem CF são projetos que foram aprovados antes da aprovacão da lei que regulamentou a construcão civil nos bairros do Derby a Apipucos. Lei esta, aliás, que a base de apoio na Câmara dos Vereadores aprovou, frente a uma mobilizacão ferrenha das construtoras, enquanto NINGUÉM se organizou pra defender.
A questão é... imagine só se o PT não tivesse chegado ao governo municipal. A situacão de CF estaria ainda mais calamitosa.

Nine disse...

Como menina-de-casa-forte que sou, tenho que tirar o chapéu: essa zona já estava instalada muito antes do PT na PCR. Bem defendido, Bernardo.