segunda-feira, 26 de novembro de 2007
quinta-feira, 15 de novembro de 2007
O “incidente diplomático” - só pra ser “diplomático” - provocado pela verborragia chavista tem sido interessante em mais de um sentido. Um dos assuntos sobre o qual o evento lançou luz foi o debate que ora vivenciamos no Brasil: TV pública versus TV estatal.
É interessante comparar a abordagem da Telesur, a TV de Chávez, com a TVE, o canal público espanhol. O texto no site da Telesur – leia aqui – é um primor de jornalismo parcial. Toda a matéria é permeada por citações do... dono da TV, qual seja, o próprio Chávez. Lá no final, uma nova fonte... O vice-presidente cubano! O teor do artigo é justificando o injustificável, procurando dar uma razão àquilo que não faz sentido. A intervenção de Chávez foi grosseira, grotesca, leviana. Não se acusa sem prova e, tendo-as, não se faz daquele modo nem naquelas circunstâncias. O coronel Chávez se comportou perante chefes de Estado como se estivesse na sua Venezuela. Lá, sim, ele manda e desmanda. Só há uma versão possível dos fatos – a oficial, a dele próprio, como vimos na exemplar matéria da Telesur. Pluralidades de idéias só mesmo na medida em que sejam idéias oriundas da cabeça do próprio chefe.
Na versão chavista, o coronel venezuelano estava legitimamente defendendo seu país, denunciando uma verdade absoluta. O fato de Chávez sofrer críticas se deve à manipulação dos grandes meios de comunicação, como se a cena grotesca protagonizada pelo caudilho não se bastasse em si. Nem a Globo, nos seus piores momentos, é assim. É como se sempre ela entrevistasse os Marinho...
Por outro lado, temos a reportagem da TVE, a TV pública espanhola – veja aqui. Vemos um jornalismo completo, onde vários lados são mostrados. A fala do Coronel Chávez é mostrada na íntegra, inclusive com legendas para que possamos entendê-lo. Também vemos toda a fala do primeiro-ministro Zapatero, inclusive ele tentando falar e sendo reiteradamente interrompido pelo caudilho petroleiro. Isso não é só anti-diplomático; trata-se de falta de educação doméstica! E prepotência digna de ditador. Aliás, é notável a classe com que Zapatero se saiu nessa insólita situação. A frieza que manteve, mesmo lidando com um ogro, dando-lhe de fato uma aula de comportamento democrático (tanto teórica quanto prática). Mas a reportagem da TV pública espanhola não termina aí. Ao final, temos um político do partido conservador PP, de oposição ao socialista Zapatero, que faz críticas contundentes à política externa governista. Eis aí uma coisa impensável na TV de Chávez: dar voz aos dissidentes... só se for voz de prisão!
Tudo isso é bastante pedagógico no momento em que estamos a discutir, no Brasil, a TV Brasil, a nova TV pública a ser criada pelo Governo. Dia 12 de Dezembro ela entra no ar. Fiquemos atentos e vigilantes para que siga o caminho europeu, não o venezuelano.
sexta-feira, 9 de novembro de 2007
Cortaram o pau de Rogéria
Polícia moral? cortaram o pau de Rogéria!
Um dos grandes temas na Câmara dos Deputados nessa semana foi o pau de Rogéria. O ocorrido comprova a caretice reinante no Congresso Nacional. E, como estamos numa democracia, e os representantes do povo não surgiram do vácuo, é um reflexo revelador do conservadorismo social que prevalece na sociedade brasileira. Se é que restava alguma dúvida a esse respeito...
O Congresso tem uns três espaços, pelo menos, onde são expostas regularmente as mais variadas exposições. Em geral, passam batida. Ninguém teria tomado conhecimento dessa mostra de fotografias, não fosse o celeuma causado pelos burocratas da instituição. Pior do que a caretice é a burrice: ninguém iria ficar sabendo do pau de Rogéria se a exibição não houvesse sido cancelada. Foi cancelada por causa do pau de Rogéria! Isso é um acinte, uma afronta à liberdade de expressão. Isso tem nome: censura.
O caso do pau de Rogéria é sintomático. E ocorreu na mesma semana em que a Comissão de Constituição e Justiça rejeitou Projeto de Lei de autoria do deputado Gabeira que visava a regulamentação dos profissionais do sexo. O problema não é nem que tenha sido rejeitado – eu não esperava diferente resultado. Mas sim os argumentos trazidos pelos nossos legisladores. E não venham dizer que é o despreparo dos nossos políticos! A fala do nosso preparado prefeito Bob Magal, jurista de renome... estadual, vá lá, deu vergonha aos pernambucanos presentes: Deus fez que a gente nascesse pelo sexo. Ou seja: nada de trepar por prazer, que Bob condena – isso nos choca, embora não surpreenda, vindo do prefeito que quis proibir a construção do consolo de D. Jane.
Teria sido saudável um debate de nível um pouquinho mais elevado. Um deputado refutou o projeto dizendo que a prostituta “dá porque quer dar” e um outro, “o brasileiro não apóia essa aberração” - nunca foi na Domingos Ferreira, esse aí. Maluf disse que prostituição é coisa de país atrasado – e superfaturamento, não?, eu perguntaria; e que o puritanismo é a causa do desenvolvimento americano (se esqueceu de Las Vegas). E um outro imbecil propôs que se retomasse o debate daqui a quinze anos, pois “quem sabe até lá já tenhamos eliminado isso do Brasil” - esse é o JK do falso moralismo: quer acabar em 15 anos a profissão mais antiga da humanidade! Seu Plano de Metas: Cinco milênios em 15 anos! Outro se autoproclamou defensor das famílias brasileiras – ao que Gabeira prontamente questionou se o nobre colega não achava que as/os prostitutas/os também não teriam famílias que sustentar. E tudo o que o projeto propunha era algo tão prosaico como o fato de que as prostitutas pudessem pagar INSS, para terem direito a aposentadoria...
Os dois eventos parecem descolados, mas são tributários do mesmo problema de fundo: o conservadorismo social da sociedade brasileira. A mesma que maciçamente votou contra o desarmamento, que é contra a legalização das drogas e que se opõe sequer a discutir a questão do aborto. E, como todo conservadorismo social, o moralismo vai de mãos dadas com a hipocrisia. E vamos, assim, retardando a resolução de problemas. É a ideologia conservadora à frente do pragmatismo para enfrentar as questões nacionais. Tudo pelo status-quo, parece ser o lema dessa turma do atraso.
Mas esse é o preço que se paga por termos democracia, que fique bem claro. Prefiro mil vezes esse atraso do que medidas impostas de cima para baixo. Sobre esses temas e outros não há consenso na sociedade - e quando há é pela continuidade. Necessitamos mais debates, mais discussões. E, nesse sentido, vejo progresso. Repito: esse pensamento retrógrado explicitado nessa semana é reflexo da visão de mundo de boa parte dos brasileiros. Somos uma sociedade de comportamento liberal, ou melhor, libertino, mas de retórica conservadora, “correta”. Isso tem a ver com nossa herança histórica. Leva tempo para mudar. No meio tempo, vamos nos divertindo com espetáculos patéticos como esses.
domingo, 4 de novembro de 2007
Neston? Existem mil maneiras de expressar a sua espiritualidade. Invente uma.
Na época em que Jesus viveu, era comum toda sorte de crendices e superstições. Uma variedade de gente vagava pelas terras. movida pelos mais diferentes motivos. Muitos eram os que se clamavam “filho de Deus” ou que afirmavam ter ligação direta com o divino. O que destacou Jesus dos outros “malucos” de então foi sua atitude política: Jesus opunha-se, pacificamente – o que o distinguia dos outros combatentes dissidentes –, ao regime romano opressor do povo da Judéia. Num comportamento altamente subversivo, ele se misturava com todos os tipos de excluídos e desvalidos e desprezava o poder esmagador dos ditadores estrangeiros. As escrituras sagradas foram escritas posteriormente, agregando novos valores e costumes das épocas em que estavam sendo elaboradas.
Todo o esforço da Igreja, por meio dos seus ritos esquisitos e dogmas obsoletos, vem no sentido de ressaltar apenas aquilo que era cultural – costumes e modos – e portanto específico daquele tempo e lugar. Tirando-se aquela tradição de seu devido contexto histórico, a atitude política de Jesus, que era o que o distinguia e que tornava a sua mensagem revolucionária e universal, e que é o essencial de sua mensagem tão pungente, é totalmente escanteada da estória oficial católica.
Sem contar as práticas anacrônicas. O celibato por exemplo. As evidências históricas indicam que os apóstolos contemporâneos de Jesus eram casados. Aí porque, alguns séculos depois, apareceu algum papa misógino, deu-se início a essa prática bizarra. Outro dia um padre italiano “saiu do armário”. Não entendi nada. Mas como pode um padre ser gay se ele não pode trepar?! “Ah, é que eu fico pensando em meninos quando bato uma punheta antes de dormir (e depois do Pai Nosso)”. Só se for! Isso para não mencionar as crendices católicas. Virgem Maria?! Imaculada concepção?! Pobre José... Todos duvidam do seu taco!
Essa coisa de desacoplar a fala e a história de Jesus da realidade na qual ele estava inserido e aplicá-las automaticamente aos dias de hoje leva a uma visão míope e tosca do mundo à nossa volta. Esse é o perigo – e a fonte – de todo fundamentalismo, pois leva as palavras ao pé da letra, sem colocá-las em seu devido contexto histórico; vê-se o passado distante sob o prisma do hoje em dia.
Olhe em sua volta e veja se você descobre quem será o Jesus de daqui a 500 anos. Há quem diga Gandhi. Heloísa Helena saiu do páreo depois que seu dente fugiu ao vivo (veja aqui). Eu ainda estou na dúvida entre o Bispo Edir Macedo, Che Guevara e Mickey Mouse.
(Depois de escrever isso aqui, apareceu a Veja com a capa de Che, revelando o “verdadeiro” Che – aparentemente, a historiografia oficial é esquerdista demais e então é necessário o revisionismo – o que apenas reforça as chances dele. Me fez pensar também como é que seria a cobertura da Veja há dois mil anos atrás... Seria algo nas linhas: “O baderneiro, mulambento e cabeludo hiponga fica distribuindo pão e vinho para os pobres ignorantes que, em conseqüência desse assistencialismo retrógrado, o adoram. Ao mesmo tempo, tenta, com essa sua demagogia esquerdóide atroz, desestabilizar o bondoso regime da nobre e iluminada elite romana.” E por aí vai...).