Já que os Oscars ocorrem agora, posto aqui uma compilação de uma troca de e-mails com Noé sobre o cinema americano... São as colocações dele, muito interessantes:
Acredito que a maior contribuição dos Estados Unidos da América ao mundo tenha sido a indústria do cinema.
Através dela, toda uma visão de mundo e uma "way of life" foram repassadas, num primeiro momento ao seu próprio mercado consumidor e em seguida ao resto do mundo. Só para exemplificar: o filme de caubói foi um gênero criado por esta indústria que recriou a própria história do país e os seus valores. Se por um lado filmes como "matar ou morrer" ou "os imperdoáveis" abordam questões universais como a solidariedade humana, "rastros de ódio" e "no tempo das diligências" repassou para uma massa ignara o lado preconceituoso desta civilização para com sua população nativa. (Estou citando aqui apenas Grandes Clássicos). E o filme de guerra, que criou a persona coletiva de "emissário da justiça e da liberdade"?
Well... ao longo do século XX esta indústria evoluiu para o que hoje chama-se "entertainment", onde se insere a mídia... responsável, ali, pelo segundo maior ingresso de divisas, se não me engano. Este produto assim como um copo de leite quente, tem uma nata e o resto do leite. A grande maioria joga fora a nata e bebe o leite. Alguns bebem tudo, indiferentemente. Alguns poucos separam a nata e vão juntando até poder batê-la com sal e fazer um creme delicioso para passar no pão, fazer biscoitos ou preparar um bacalhau.
A maior parte da produção do "entertainment"/ mídia, você há de concordar, é um lixo ( talk shows, reality shows, sem falar na imprensa e filmes de tv), responsável pela formação de corações e mentes do seu mercado interno. Ali, se vêm refletidos e, ato contínuo, mimetizam, os Dicks, Harrys e Toms das profundas do Kansas, Tallahassee e Wyoming. Uma população coletivamente jeca, sim ! E, conservadora, se vê como o umbigo do mundo. E tome tiros em Columbine.
Quanto à "primeira democracia do mundo", temo que você esteja sendo envenenado pelo leite daquele copo do "entertainment", e aí reside o meu temor acerca da sua jovem cabecinha !!! e daí esta diatribe (crítica acerba rs rs rs).
Primeira, numeral ordinal ? ... essa forma de governo vem sendo aperfeiçoada neste mundo de meu deus através dos tempos desde os gregos, que cunharam o termo, "n'est-ce pas"? depois outras sociedades, de uma forma ou de outra foram dando forma, trabalhando esta idéia, das reduções guaranís do Paraguai aos teóricos franceses que deram a Thomas Jefferson o caminho das pedras para o dever de casa que foi a sua constituição.
Primeira como atributo de qualidade? ... "je m'en doute". Alguns países europeus estão bem mais avançados neste processo, você deve saber melhor do que eu. E para uma nação que enquanto vendia este rótulo, via mídia, promovia McCarthy, o preconceito racial, a guerra do Vietnã, a desestabilização de governos ( o nosso inclusive !). Isso sem falar das suas próprias mazelas internas como a socal security e coisa e tal.
Há estadistas como FDR, ok. Mas lembre que o contexto histórico da sua chegada ao poder exigia um negociador,"um dealer" que batesse forte e defendesse os interesses de um movimento sindical histórico ( de pelo menos 40 anos e tido como "subversivo") que quando , no início dos anos 30, fez uma marcha a Washington, foi recebida a bala na frente da Casa Branca.
Já Eisenhower... não foi com ele que a ponta do prego da indústria armamentista foi virada? Naquele contexto de guerra fria? (Coréia...)
E hoje, enquanto nós temos Lula... eles têm George W.
"the world is a circle
without a beginning
and nobody knows where it really ends
ev'rything depends on where you
are in the circle
that's spinning around
half of the time
we are upside down "
De resto, como já havia dito, concordo que Obama pode ser o Lula do segundo decênio, depois que uma mulher, branca, avance no grosso da faxina que aqui em casa foi feita por um doutor sociólogo e seus companheiros. E assim outro ciclo se inicia, para a maior glória da História.
We've got to the point. Nada é essencialmente branco nem absolutamente preto. Por isso me assombrou a hiperbólica expressão "primeira democracia do mundo". Foi isso que me empurrou à provocação.
Primeiro: a maior contribuição ( talvez hiperbolicamente também) não foi o cinema... mas a indústria do cinema e o que daí decorre, com a conseqüente formação de uma rede econômica, de uma cadeia produtiva.
A criação de algumas das maiores obras-primas do cinema americano “didn't really meant to...” passaram para a eternidade pela competência de diretores e produtores que deram à massa o valor do ingresso que pagavam: alimento para a auto-estima e para escapar da realidade. (Vide “Casablanca” e “Cantando na chuva”). Uma indústria que tinha mais que agradar ao mercado e atender à demanda. Mostrar que a vida poderia ser bela e não aquela merda cotidiana (“A rosa púrpura do Cairo”), para recolher as divisas e remunerar os acionistas.
Já te disse pra ler "the day of the locust", de Nathaniel West, cuja ação decorre em LA, nos arounds de Hollywood, justamente naquele período pré-FDR. A periferia sempre vai existir e interagir com o centro e se fuder. Pelo menos a curto prazo... é da natureza. Mas Hollywood fez todo jeca acreditar que era lindo e poderoso... até eu... nas matinês do Coliseu.
Westerns, assim como os filmes de guerra, foi uma invenção e uma contribuição...(vide “As cartas de Iwo Jima") que é um sinal do amadurecimento de elementos diferenciados dentro daquele sistema. ( Fico imaginando quem Clint vai apoiar...)
Musicais, contribuição inestimável e intangível à humanidade.
Por que surgiu blues... sapateado...? Vide "Cotton club" de Copolla... foram os crioulos, brother !!! Que se fuderam muito tempo e não podiam nem ver o que os irmãos do palco estavam inventando... niggers were not welcome.... pensa que Billie Holiday tinha lá o respeito que a sua contemporânea "la môme" tinha, "chez elle"? Pas du tout !!!
O pioneirismo, não só não nego, como louvo! Agora o que não engulo é a "primeira democracia do mundo".
E viva Frank Lloyd Wright, Louis Kahn, Scott Fitzgerald, Hemingway, Faulkner, Steinbeck, Tenessee Williams, Busby Berkeley, Gene Kelly, Cole Porter, Gershwin, Ella Fitzgerald, Louis, e um mundo de americanos que só fizeram acrescentar à minha felicidade nesta passagem pela materialidade.
Quanto a sua derradeira frase: "se o cara for bom..." perdoe-me... está mais pra "new york, new york" :" if I can make it there I'll make it anywhere"
A abertura que você fala não é tão escancarada assim... e não apenas lá. Lá, como aqui, como anywhere, a coisa está mais pra o esquema: ajoelhou tem que rezar.
Com todo respeito, tenho dito, Noé.
2 comentários:
pois eu tenho aprendido a respeitar os EUA. vou até escrever um post sobre isso tb.
e quanto a viggo mortensen, eu SEMPRE torço por ele (e nem vi o filme de cronemberg). ele é sempre perfeito.
"Musicais, contribuição inestimável e intangível à humanidade."
é isso.
t
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