Lições de Gilmar
Foi numa conversa com Gilmar, no último domingo (09/04), que eu compreendi exatamente o significado do resultado da mais recente pesquisa Datafolha de intenções de voto para presidente.
Não, Gilmar não é professor de Ciência Política. Aos vinte e tantos anos, retirante do sertão baiano, ele mora numa favela em uma das Cidades Satélites que compõem o entorno de Brasília. Trabalha como empregado doméstico na residência dos meus parentes daqui, há oito anos. O chefe da família para a qual trabalha é um proeminente cirurgião plástico no DF, que atende a várias personalidades artísticas e políticas do país, em sua clínica, e cidadãos comuns, no hospital público onde também atua. Graças ao seu trabalho árduo, vive confortavelmente numa ampla casa no Lago Sul, o bairro mais prestigioso da cidade, e provavelmente o metro quadrado mais caro do Brasil.
Gilmar me falou o seguinte, quando perguntei porquê votaria em Lula para presidente: "Ele [meu patrão] diz que o povo tinha muita esperança em Lula, mas ele não mudou nada. Eu discordo. Acho que mudou sim". Pergunto em que sentido houve mudança. Gilmar explica: "Há uns três anos eu morava só com minha mulher. Hoje, com a mesma quantia daquele tempo, eu sustento a mim, a ela, ao nosso filho e à minha irmã, e ainda sobra. O arroz, o feijão, tudo está mais barato. Foi Lula". Insisto se ele percebeu alguma outra mudança: "Na favela onde eu moro, tem serviços que antes não tinha. Por exemplo, as ambulâncias [refere-se ao SAMU]. Tem dentista. A Polícia Federal também está prendendo muita gente - não era assim não antes. Sem contar que tem muita coisa que o Governo Distrital [estadual] diz que é sua, mas que é verba Federal."
Ou seja, para pessoas como o patrão de Gilmar, realmente pouca coisa, ao menos perceptível, ao seu alcance, mudou. Mas, para gente como Gilmar, que é a maioria desse país, houve mudanças sensíveis, que os afetam diretamente.
Gilmar ainda me contou: "Em 1994 eu votei em Fernando Henrique. Ele também foi um ótimo presidente. Para mim, o Plano Real foi o melhor plano que já teve". Nos ensina, assim, outra lição - como já disse aquele assessor de Bill Clinton, "it's the economy, stupid". O voto do povão, que batalha para se manter, tende a ser muito mais pragmático e realista do que o da classe média e alta, que pode se dar ao luxo de ter ideologia ou coisa que o valha.
Obrigado pela aula, Gilmar.
2 comentários:
Grande Bernardo.
Interessante - ou talvez simplesmente justificável - o ponto de vista do amigo Gilmar. O problema maior é que esta mesma opinião pragmática - talvez conformista - garante milhões de votos para Maluf em SP e a manutenção da corrupção sistêmica em nosso país.
Abs.
acho q esse exemplo do Gilmar lembra o que ocorreu em Recife na primeira gestao Joao Paulo. Os 3 primeiros anos foram voltados para mudancas muito mais significativas para a populacao de baixa renda, SAMU, + de 1.500 professores na rede municipal contratados, aumento do numero de equipes do saude da familia, entao a classe media nao sentia a diferenca, embora muitas outras acoes alcancaram a mesma (Paralela, inversao Boa Viagem, regularizacao das vans etc)
A grande questao eh q Lula vem trabalhando do jeito que pode para diminuir a super concentracao de renda (levando-se em conta o malabarismo que a fazer isso dentro de uma economia de mercado emergente e com uma guerra politica suja e intermitente), mas como tem gente fazendo barulho pra isso nao acontecer, putz!
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