segunda-feira, 27 de novembro de 2006

Um filme necessário

Eu vi ontem o Baixio das Bestas, no Festival de Brasília de Cinema Brasileiro. Ainda não defini se gostei ou não. É um filme forte, que impacta - diante do qual não se fica alheio. Houve inclusive quem saísse durante a exibição. É o tipo de filme que requer ser digerido, e ainda estou no processo. Mas é um filme necessário. O tema é importante. Me fez lembrar aquela frase de um russo, que diz que o grau de civilização de uma sociedade é medido por como se trata os seus presos. Outra maneira de medir seria observar a maneira como os seus integrantes se relacionam com o sexo - o personagem de Caio Blat é um exemplo disso, ou o do avô da menina. Seria algo tipo: "diga-me como trepas, que te direi quem és" coletivo. Do ponto de vista técnico, é um filme absolutamente bom. E a Zona da Mata canavieira é muito fotogênica, fica linda na telona do cinema - eu passava várias férias nessa região e sempre achei essa paisagem bucólica e século 19 encantadora.

sexta-feira, 24 de novembro de 2006

The challenges facing the new government

The re-election of President Lula da Silva puts into evidence some of the mains issues facing the Brazilian society today.

In 2002, when Lula and his Workers' Party (PT) won the elections Brazil witnessed the first genuine power change since the military coup of 1964 interrupted the country's political process, postponing its maturing.

The first term of President Lula was historic in itself. But it was al the more meaningful in the measure that it was able to keep the country's economy stable while at the same time promoting a long-needed wealth distribution by means of a series of innovative and efficient public policies.

President Lula's apporval ratings and expressive vote are all the more impressive in face of the systematic smearing and violent rhetoric to which his government and his party were subject to for over a year, by opposition parties and the big corporate media.

In his new term, President Lula will have to once again conciliate a progressist agenda in a conservative society - which is particularly well represented in the political system. Moreover, he will have to deal with an elitist media, which voices the economic interests of the hegemonic sectors of Brazilian society, while trying to stand for the unrepresented majority, who have no material means to voice their desires - except for voting.

So, in a few words, what is at stake at this point in Brazil's history, is a deepening, a maturing, of our democracy. We are back to the stage when the military seized power in the 1960's, when the social movements were more organized. President Lula's government is a turning point: from now on, upcoming governments will have to take into account the demands of the voiceless majority, with effective policies.

As for the traditional economic elite, they will have to grasp this new government. The old idea that "the pie must grow in order to be shared" no longer holds. The press failed miserably in its purpose to de-moralize PT and de-stabilize the government: society as a whole has got to reflect upon this, in face of the huge concentration of the media in the hands of a few economic groups, with particular political agendas.

President Lula has a conciliatory nature. That will come in handy, as he will need to find a common ground to democratically promote social transformation, expanding social rights for the poor; a process of democratization of the media must come in parallel to that process. Most of all, President Lula must act as a bridge between the two groups - the haves and the have-nots - and to make the former understand that the benefits of the latter are also in their best interests.

terça-feira, 21 de novembro de 2006

Eu gosto de Brasília

Já me habituei à surpresa do interlocutor, sempre que perguntado se gosto de morar em Brasília, diante da minha resposta afirmativa. Tornou-se um grande clichê falar mal da Capital - principalmente por parte daquelas pessoas que não a conhecem.

Em parte, tem a ver com a questão política. Os brasileiros do resto do país com freqüência se referem, pejorativamente, "àquele povo de Brasília". O erro crasso desse tipo de comentário é que "aquele povo" são os representantes do Brasil inteiro que lhes representam.

O fato de a cidade ser nova e diferente - e no começo, de fato, não havia nada aqui - é outro motivo que embasa a crítica. Mas, trata-se de uma posição presa ao passado, que não condiz com a realidade dinâmica, cultural, econômica e social, do Distrito Federal.

Não obstante o plano original beirar o neo-fascismo e ser totalmente desumano - assunto sobre o qual escrevi anteriormente, aqui nesse texto -, Brasília surpreende justamente naquilo que "deu errado". Os seus habitantes trataram de humanizar um plano totalmente desumano, trazendo o elemento, essencialmente humano, do imponderável.

Há uma poética nessa cidade, muito específica e original. Basta educar-se o olhar, porque é uma paisagem inusitada, inesperada. As árvores são refúgios dos muitos e variados pássaros - os bonitos, os feios, os grandes e os pequenos, os exóticos, os tropicais, os triviais, os agressivos, os meigos, os migrantes, os que estão aqui desde sempre. A natureza da cidade não é parcimoniosa; todos os fenômenos naturais da cidade são exuberantes. As tempestadades são cinematográficas, com trovões assustadores e raios que rasgam o céu cinzento e pesado, quase desabando sobre nossas cabeças. O pôr do sol é algo de tirar o fôlego, com cores e formas únicas - possível de ser apreciado graças a uma legislação urbana que preservou o horizonte. O período da seca, chegando ao extremo de menos de 20% da umidade relativa do ar (menos do que o Saara!), provoca uma paisagem catastrófica e, paradoxalmente, feliz - pois há tantas pessoas fora, nas calçadas, no Parque da Cidade (o maior parque urbano do mundo), andando, passeando, namorando, pedalando, jogando, dormindo, se bronzeando.

Até as ruas têm sua poeticidade - as avenidas e ruas, sempre uniformes e simétricas, com os carros enfileirados, como formigas coloridas gigantes, indo ao trabalho, voltando para casa. As pichações nas passarelas subterrâneas que cruzam o Eixão revelam uma população criativa (está nessa cidade o maior mural de grafitagem do mundo). O silêncio profundo das noites brasilienses é algo igualmente avassalador - exceto na época das cigarras, que cantam durante uns dois meses, o dia inteiro e noite adentro, anunciando o prenúncio da chuva, antes de voltarem para debaixo da terra e lá ficarem, cumprindo seu ciclo, até setembro do próximo ano.

Tudo isso sem mencionar o lado humano. Há gente de todos os cantos do país, todo tipo de gente. Esse é o verdadeiro "melting pot" nacional. E uma passada no Conic, um centro comercial popular, onde se localizam as sedes dos partidos de esquerda, de sindicatos, o cinema pornô, uma Igreja Universal, o teatro universitário, uma loja massa de camisas estampadas, lojas de skate, lojas de cultura negra (rap, hip hop) - sem mencionar minha ex-imobiliária. Lá é a coisa mais próxima de um "centro de cidade" normal: as pessoas andando, passeando, descansando (no pátio interno). Tudo muito corbusiano, claro: concreto por todos os lados. E andar por entre os blocos, tentar identificar as particularidades das quadras, que no plano original deveriam ser rigidamente semelhantes. E a surpresa de ver surgir, pelo pilotis, uma paisagem nova do outro lado do bloco. E o Lago Paranoá, que ameniza a seca da gente em seu auge, propicia algumas das mais belas vistas da cidade, como a da ponte JK iluminada ao fundo, vista do CCBB, por exemplo. Sem falar dessa área de lazer, convidadtiva para uma nadada, como no fim do Lago Sul, na Hermida Dom Bosco....

Ok, tudo bem que isso se restringe ao Plano Piloto (quase nunca saio dessa parte da cidade), que quando chove pra valer alaga tudo, que tem quem passe mal com a seca, que a Ponte JK é super-mega-faturada, que se você reunir seus amigos no seu apartamento e falar alto demais os vizinhos de bloco não ficarão contentes e poderão xingar-lhes grosseiramente, que as cigarras às vezes encham o saco, que a cidade tem um problema grave de excesso de automóveis... Mas e qual cidade não tem problemas? Ter senso crítico não implica ser chato. E esse texto é só pra falar bem!

sábado, 18 de novembro de 2006

Onde estou me metendo? (Ou: do que eu me livrei!)

São folclóricas as histórias sobre a fofocagem, as disputas de egos e as tiradas maldosas entre os itamaratecas. Soube de uma embaixatriz uruguaia (creio) que, certa feita, classificou os diplomatas brasileiros em três categorias: neuróticos, gays e esdrúxulos. Outro dia, fiquei sabendo que cada nova turma do Instituto Rio Branco recebe uma alcunha pelos diplomatas incumbentes. O teor dos nomes das turmas calouras dos anos recentes revela bem o espírito ácido, cáustico, afiadamente mordaz, sardônico - "wry", diríamos em inglês, em uma palavra (que língua!) - prevalecente no MRE. Uma turma de uns anos passados era "Jardim Feio", em alusão aos atributos físicos dos calouros; a do ano passado, que teve a "polêmica" do inglês, que deixou de ter caráter eliminatório, é "Jardim monoglota". A desse ano, que, pela primeira vez, abriu 105 vagas, é "Turma KY", que passa fácil...

Pensando bem, acho que vou gostar disso!...

quinta-feira, 16 de novembro de 2006

Aproveite piauí enquanto há tempo

Eu sempre me perguntei porque não havia, no Brasil, uma publicação com textos bem escritos, como os da New Yorker ou da The Economist. Repare que o verbo "haver" encontra-se no pretérito, não por acidente: desde o mês passado, surgiu uma resposta à minha indagação. Há uma nova revista no mercado editorial brasileiro - a piauí.

Como defini-la? Perguntado por um amigo, eis minha explicação: não é sobre nada, é sobre qualquer coisa. À guisa de explicar de que se trata, nada como recorrer a comparações. É uma espécie de New Yorker brasileira, com formato da Caros Amigos (este é o seu grande defeito - ela é grande e incoveniente, aspecto em que, ademais, poderia ter se espalhado também na tradicional revista americana).

João Moreira Salles, publisher da piauí, assim a definiu, em entrevista ao Valor Econômico: "Vale qualquer assunto que não possa ser resolvido no Google, e que exija de quem escreve o trabalho de ir, voltar, e fazer tudo com a sola do sapato". Eu poderia elencar as excelentes matérias, os assuntos instigantes, muitas vezes originais, abordados... mas esse definição já se basta.

A primeira edição da revista, a de Outubro/2006, foi um primor. Esperei pela segunda, antes de confirmar a opinião: é uma grande revista (figurativa e literalmente). Uma revista mensal com textos bem escritos, inteligentes, sobre assuntos os mais variados e visualmente agradável... Parece bom demais para ser verdade, no país que detém o "privilégio" da revista de maior circulação do mundo (a Veja, com os seus mais de um milhão de exemplares semanais e suas denúncias inócuas ou "reportagens científicas" sobre dietas e quetais). Fica a dica.

domingo, 12 de novembro de 2006

Alerta

Quando você começa a achar que a horrenda W3 norte "tem seu charme", é sinal de que está na hora de respirar novos ares.

quarta-feira, 1 de novembro de 2006

Conclusões eleitorais - desmistificações

O fim das eleições presidenciais nos permite tirar algumas conclusões. Em primeiro lugar, acho importante destacar três mitos do discurso hegemônico desfeitos:

1) O PT morreu. Esse diagnóstico taxativo foi repetido por inúmeros analistas, comentaristas, cientistas políticos e políticos. No entanto, o Partido elegeu a maior bancada da Câmara, tendo sido o partido detentor da maior fatia dos votos absolutos. Além disso, elegeu cinco governadores, incluindo aí a Bahia e o Pará. Mais do que isso, o segundo turno mostrou a força da militância petista, que contribuiu inequivocamente para as viradas como a observada aqui em Brasília - onde a votação do Presidente Lula teve um aumento de 53%. Paralelamente, PMDB, PSDB e PFL viram o número de estados que governam diminuir. O PFL sai particularmente enfraquecido, tendo perdido para o PT dois estados em que era a força hegemônica tradicional, Sergipe e Bahia. Hoje, resta-lhe o Distrito Federal - e ainda assim, sob o comando de José "Painel" Roberto "Chorão" Arruda - um oportunista, que não tem nenhum apego ao PFL ou a qualquer partido que não o seu projeto político pessoal.

2) As áreas mais eficientes do governo são as não-petistas. Apesar de esse ser o senso comum na grande imprensa corporativa, o resultado eleitoral desmente essa idéia. Os principais programas ou políticas públicas que levaram ao forte apoio popular do Presidente Lula são de ministérios comandados por petistas durante todo o governo ou a maior parte dele - Desenvolvimento Social, Educação, Cidades, Saúde, Cultura - além das políticas setoriais, como as para as mulheres e para os negros. Os dois ministérios que os setores conservadores propagavam como os mais eficientes - Agricultura e Desenvolvimento e Comércio - não figuravam entre os mais bem avaliados. Tanto que o Presidente Lula foi derrotado (ainda que por pequena margem) em todos os estados agrícolas; e a gestão Furlan, por melhor que tenha sido, não gera tantos dividendos eleitorais - tanto que o Presidente Lula não era o candidato preferido da classe empresarial.

3) A imprensa escrita e televisiva assim como as classes sociais mais altas são formadores de opinião. Houve um total descompasso entre a visão dos setores conservadores hegemônicos, expressa em seus porta-vozes midiáticos - a "opinião publicada" -, e a opinião verdadeiramente pública, do povo - expressa nas urnas. Ficou evidente o poder limitado, decadente desses setores hegemônicos. Vendo-se incapazes de exercer, paternalisticamente, a tarefa a que se acham divinamente incumbidos, os formadores de opinião dedicam-se, agora, a deformar a opinião. São os deformadores da opinião alheia. Assim, buscam várias explicações para a votação expressiva do Presidente Lula - a maior parte delas expressando viés elitista e um forte preconceito de classe. O povão mostrou sua autonomia - o caso do Maranhão é emblemático, onde o Presidente Lula obteve 85% dos votos, mas sua candidata ao governo foi derrotada. A grande imprensa, aliás, sai como uma das grandes derrotadas. Afinal, depois de mais de um ano de uma sistemática campanha de desmoralização do PT e de desestabilização do Governo Lula, tanto um quanto o outro foram consagrados nas urnas. Do lado positivo, para a imprensa, deve-se registrar a maior opção de fontes de informação disponíveis para o leitor crítico. Hoje, graças à Internet, é possível fugir ao pensamento único do oligopólio midiático, podendo-se ler desde sites abertamente esquerdistas - como o da Revista Fórum, o Blog do Zé Dirceu ou a página da Carta Maior - até aqueles mais equilibrados - como o Luís Nassif Online, o Observatório da Imprensa ou o Centro de Mídia Independente. A opção estende-se, também, à direita do espectro político, como, por exemplo, os blogs de Daniel Piza e Reinaldo Azevedo. Essa maior oferta de fontes é muito saudável e espero que se torne maior e mais acessível no futuro.