sexta-feira, 9 de novembro de 2007


Cortaram o pau de Rogéria

Polícia moral? cortaram o pau de Rogéria!


Um dos grandes temas na Câmara dos Deputados nessa semana foi o pau de Rogéria. O ocorrido comprova a caretice reinante no Congresso Nacional. E, como estamos numa democracia, e os representantes do povo não surgiram do vácuo, é um reflexo revelador do conservadorismo social que prevalece na sociedade brasileira. Se é que restava alguma dúvida a esse respeito...


O Congresso tem uns três espaços, pelo menos, onde são expostas regularmente as mais variadas exposições. Em geral, passam batida. Ninguém teria tomado conhecimento dessa mostra de fotografias, não fosse o celeuma causado pelos burocratas da instituição. Pior do que a caretice é a burrice: ninguém iria ficar sabendo do pau de Rogéria se a exibição não houvesse sido cancelada. Foi cancelada por causa do pau de Rogéria! Isso é um acinte, uma afronta à liberdade de expressão. Isso tem nome: censura.


O caso do pau de Rogéria é sintomático. E ocorreu na mesma semana em que a Comissão de Constituição e Justiça rejeitou Projeto de Lei de autoria do deputado Gabeira que visava a regulamentação dos profissionais do sexo. O problema não é nem que tenha sido rejeitado – eu não esperava diferente resultado. Mas sim os argumentos trazidos pelos nossos legisladores. E não venham dizer que é o despreparo dos nossos políticos! A fala do nosso preparado prefeito Bob Magal, jurista de renome... estadual, vá lá, deu vergonha aos pernambucanos presentes: Deus fez que a gente nascesse pelo sexo. Ou seja: nada de trepar por prazer, que Bob condena – isso nos choca, embora não surpreenda, vindo do prefeito que quis proibir a construção do consolo de D. Jane.


Teria sido saudável um debate de nível um pouquinho mais elevado. Um deputado refutou o projeto dizendo que a prostituta “dá porque quer dar” e um outro, “o brasileiro não apóia essa aberração” - nunca foi na Domingos Ferreira, esse aí. Maluf disse que prostituição é coisa de país atrasado – e superfaturamento, não?, eu perguntaria; e que o puritanismo é a causa do desenvolvimento americano (se esqueceu de Las Vegas). E um outro imbecil propôs que se retomasse o debate daqui a quinze anos, pois “quem sabe até lá já tenhamos eliminado isso do Brasil” - esse é o JK do falso moralismo: quer acabar em 15 anos a profissão mais antiga da humanidade! Seu Plano de Metas: Cinco milênios em 15 anos! Outro se autoproclamou defensor das famílias brasileiras – ao que Gabeira prontamente questionou se o nobre colega não achava que as/os prostitutas/os também não teriam famílias que sustentar. E tudo o que o projeto propunha era algo tão prosaico como o fato de que as prostitutas pudessem pagar INSS, para terem direito a aposentadoria...


Os dois eventos parecem descolados, mas são tributários do mesmo problema de fundo: o conservadorismo social da sociedade brasileira. A mesma que maciçamente votou contra o desarmamento, que é contra a legalização das drogas e que se opõe sequer a discutir a questão do aborto. E, como todo conservadorismo social, o moralismo vai de mãos dadas com a hipocrisia. E vamos, assim, retardando a resolução de problemas. É a ideologia conservadora à frente do pragmatismo para enfrentar as questões nacionais. Tudo pelo status-quo, parece ser o lema dessa turma do atraso.


Mas esse é o preço que se paga por termos democracia, que fique bem claro. Prefiro mil vezes esse atraso do que medidas impostas de cima para baixo. Sobre esses temas e outros não há consenso na sociedade - e quando há é pela continuidade. Necessitamos mais debates, mais discussões. E, nesse sentido, vejo progresso. Repito: esse pensamento retrógrado explicitado nessa semana é reflexo da visão de mundo de boa parte dos brasileiros. Somos uma sociedade de comportamento liberal, ou melhor, libertino, mas de retórica conservadora, “correta”. Isso tem a ver com nossa herança histórica. Leva tempo para mudar. No meio tempo, vamos nos divertindo com espetáculos patéticos como esses.

5 comentários:

Dado disse...

Diante do seu questionamento vou postar a matéria de Bruna sobre o enterro da CPMI do Corinthians. Tudo bem, teve uma leve contribuição minha, mas ainda acho que foi a análise mais profunda do cenário político. Os caras de Esportes estão longe aqui do Congresso Nacional e nem teriam condições de fazer isso.

Anônimo disse...

Post brilhante, Bernardo. Bem humorado, critico, acido em algumas partes. Muito bom ter lido isso aqui. Matou a pau!

O problema nao eh o puritanismo da boa moral da familia brasileira. O problema eh a hipocrisia da mesma boa familia que eh agente ativo (literalmente) da prostituicao.

A pergunta eh: a quem NAO interessa a legalizacao da prostituicao? A quem NAO interessa a entrada das profissionais do sexo na esfera da cidadania?

A boa familia brasileira? Nao! Aos cafetoes, aos exploradores do sexo. E isso eh crime. A mulher pode fazer o que quiser do corpo dela, inclusive oferecer sexo. O que nao pode eh uma terceira pessoa ganhar dinheiro em cima do corpo de uma mulher. E a nao legalizacao favorece esse tipo de atividade exploradora.

Com o aval dos Bob Magais e os bachareis de provincia.

Gustavo disse...

E quem quer ver essa porcaria de traveco ?

Anônimo disse...

"Somos uma sociedade de comportamento liberal, ou melhor, libertino, mas de retórica conservadora, “correta”"... Você disse tudo, meu caro! Brilhante! Adorei!!

slavo disse...

reitero os comentários, brilhante o post, aliás sempre insisti nesse ponto: a característica que nos une como nação é a hipocrisia, o cara que pega o traveco na esquina é o mesmo que é contra os direitos homossexuais , o cara que reclama da violência é o mesmo que vota a favor do armamento do cidadão. Enfim, a sociedade brasileira é em boa parte fruto de suas próprias características, embora atribuam sempre a outrem suas mazelas.