quinta-feira, 24 de setembro de 2009

4 meses

janela da cozinha


Nunca me interessou vir pra Inglaterra. Tirando o aspecto histórico, literário e cinematográfico – ou seja, coisas totalmente teóricas e não palpáveis – nada me dizia a Inglaterra. Não sei bem porquê… Talvez por cenas como aquela de Snatch. O personagem Avi decide ir pra Londres (aqui). Alguém indaga: “Londres?”. E Avi: “Yeah, London. You know, fish, chips, a cuppa tea, bad food, worse weather and Mary fucking Puppins” (Pra vovó Ivandete, que não fala inglês – na época dela se aprendia francês, ou era latim? “É Londres, tá ligado? Peixe, batata frita, uma xícara de chá, comida ruim, clima pior e a porra da Mary Poppins”). Essas tiradas, além de engraçadas, refletem e ao mesmo tempo reforçam uma certa visão que se tem da Inglaterra. Cinzenta, fria, desagradável... A imagem que se tem da Inglaterra, no imaginário popular mundial, é a pior possível. Como esse diálogo de “Snatch” tão bem captura. Quando Avi volta pros Estados Unidos, o agente da aduana pergunta se ele tem algo a declarar. Resposta: “Yeah: don’t go to England!” (“Sim: não vá pra Inglaterra!).

Para piorar, a única vez que vim pra Londres, foi há mais de dez anos, em 1995, em viagem de família. A capital inglesa era a primeira parada europeia de uma viagem que começou no Oregon, na Costa Oeste dos Estados Unidos! Decalagem de horário: 8 horas! Para frente! Chegamos aqui em pleno dia, quando, mentalmente, era tarde da noite. E como íamos ficar pouco tempo na cidade, tínhamos que aproveitar cada momento... Deixamos as coisas no hotel e fomos pegar o ônibus turístico. O sol quente do verão na cabeça, e o que eu mais me lembro dessa viagem foram as pescadas que eu, Diogo e Letícia demos durante todo o percurso. Fora isso, só me lembro de duas outras coisas: o chuveiro do hotel era minúsculo, no meio do quarto... a gente tomava banho encaixotado, mal podendo se esfregar senão derrubava a “caixa”. E o museu da tortura... macabro! Pra piorar, de Londres, iríamos pra França e Itália...

Desde então, nunca tinha voltado aqui. Mais por falta de vontade do que de oportunidade.

Por tudo isso, Londres tem sido uma bela surpresa. Cada vez gosto mais daqui. São muitas cidades numa mesma cidade. Talvez por isso que o nome seja no plural: Londres! Cada semana é uma descoberta.

Tem um bar que toca forró toda quinta-feira – um dos músicos é o filho de Geraldo Azevedo. Tem um monte de brazucas, mas tem vários gringos também. Noutro lugar, no “Ain’t nothing but the blues”, toca blues de primeiríssima qualidade, ao vivo. Outro “pub” que eu fui, o “Hole in the wall” (“buraco no muro”), tem um das últimos fliperamas da cidade e tem o charme de ficar em baixo do trilho de trem – de vez em quando rola aquele som do trem: “vuco-vuco-vuco”. Tem um pub perto aqui da minha casa que anuncia, orgulhosamente, ser o local de nascimento (“the birhplace”) da banda Iron Maiden. Os pubs são verdadeiras instituições inglesas. Todo bairro, quase toda rua tem um. E quando dá seis horas da tarde, eles ficam lotados. É regra, depois do trabalho, as pessoas irem tomar umas “pints” no bar, antes de voltar pra casa. O inglês típico tem o seu bar de costume. Eu não tenho o “meu” pub. Ainda estou na fase exploratória. Uma coisa bem típica aqui é o “pub crawl”, em que se vai de bar em bar, tomando uma “pint” em cada um. Um trajeto típico é seguir a Circle Line, a linha circular do metrô, e descer em cada parada, ir no primeiro pub que encontrar, tomar uma “pint” e voltar pro metrô pra ir até a próxima estação e repetir fazer tudo denovo. Até fechar o círculo (se conseguir). E tem os jogos. Por exemplo, se pegar o copo com a mão errada (tem que segurar com a direita, aparentemente), então tem que virar o copo. E no metrô, não pode se segurar em nada – e se cair, vira uma pint inteira no próximo boteco. Brincadeira de inglês. Mas fechar o círculo é façanha que só os profissionais do copo são capazes de realizar. Ainda não cheguei lá. Continuo explorando os pubs. Essa semana fui a um, o Power’s Bar, que tem blues ao vivo. Antes, tinha ido a outro, o Ain’t Nothing But The Blues. Cerveja boa e música ao vivo de primeira.

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Em agosto teve o famoso carnaval de Notting Hill. A festa existe desde os anos 60 e, originalmente, começou como protesto de migrantes caribenhos contra o preconceito racial. Com o passar do tempo e a melhoria das relações raciais, o aspecto político foi ficando de lado e só restou mesmo a parte da gréia. Hoje, a festa é o maior evento de rua da Europa. Eu tinha ouvido coisas negativas – de brasileiros, dizendo que não era lá essas coisas e de ingleses, que em geral acham a festa “perigosa”. Ambos estão errados. É uma festa aberta e divertida. Esse, sim, é o verdadeiro carnaval multi-cultural: tem reggae, música eletrônica, samba, rockabilie... Com algumas vantagens em relação ao nosso período momesco. No topo da lista, destaco o fato de você brincar carnaval o dia inteiro e sair limpinho, sem uma gota de suor! Isso é uma das coisas que mais incomoda em Olinda: sair todo molhado, sem saber se é meu suor ou o alheio, ou se é o mijo que sacudiram no copo descartável. Tem também semelhanças: houve um momento que me movi involuntariamente, sendo levado, literalmente, pela multidão, no melhor estilo olindense. Já a violência a que os gringos aludiam... coitados. No final da festa, houve uma correria, eu e meus amigos nos protejemos entre os banheiros químicos. Perguntamos a outro folião o que estava ocorrendo. Alguém havia dito que tinham jogado uma garrafa. Ah, rapaz! Na minha terra, quando tem tumulto, é bala mesmo! Assim é muito bom, dá uma emoçãozinha, mas logo tudo se resolve. E você sabe que, na pior das hipóteses, só vai levar uns pontinhos na testa – e isso, eu já tenho!

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auto-retrato no espelho do elevador


Depois que voltei da viagem pra Barça e Lausanne, não voltei para o mesmo trabalho de panfletagem que tinha. Fui pra outro. Distribuir panfletos da pizzaria Domino’s, anunciando sua nova pizza Chicken Tikka com molho de manga, de casa em casa, colocando-os nas caixas postais alheias. Ou seja, distribuidor de lixo. Era um trabalho extenuante. Cinco horas por dia, sem intervalo para nada, andando sem cessar, subindo e descendo escadas de prédios, depositando entre 800 e mil panfletos por dia. O lado bom é que conheci partes da cidade que de outro modo jamais conheceria. Regiões residenciais que nunca teria tido a oportunidade de conhecer. Vi todo tipo de habitação inglesa, das mais elegantes até as mais chinfrins. E ainda dava umas espiadas nos apartamentos e casas das pessoas, por pura curiosidade mesmo, através do buraco na caixa de correio. Senti os mais diversos cheiros e odores, alguns que remetiam à minha infância, outros ao meu período oregoniano, outros a restaurantes indianos, e outros que é melhor nem mencionar! O lado negativo: é chato pra cacete e fisicamente exaustivo.

Depois de duas semanas de trabalho, avisei, conforme o contrato, com duas semanas de antecedência, que teria que sair, pois iria me mudar pro sul da cidade. A mulher me disse que eu não precisava voltar e que terminariam o meu contrato logo ali. Minha vontade foi de abraçá-la. Mas, como ela achasse que estava me punindo, pensei duas vezes... vai que ela voltava atrás, se eu demonstrasse satisfação... fiquei na minha.

Minha conclusão, depois dos dois trabalhos de verão que tive: jamais poderia ser imigrante ilegal. Chiei com uns trabalhos que pagavam ligeiramente acima do salário mínimo, com horários decentes e relações trabalhistas legalizadas. Não teria sobrevivido as condições árduas que os ilegais enfrentam. Nunca é demais agradecer ao tataravô que migrou pro Brasil e, por acidente do destino, ficou em Recife. Grazzie mille!

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Aqui na Inglaterra está a maior onda natureba. Todos os políticos, de todos os partidos, estão atualmente “ecologicamente” conscientes. Todos se preocupam com o tamanho de sua “pegada ecológica” (a quantidade de carbono que suas atividades cotidianas emitem). O prefeito, por exemplo, pedala para o trabalho. Tem um outro político que reduziu o consumo doméstico de energia. E por aí vai. Mas está se chegando a um ponto que beira o ridículo. As pobres das vacas estão prestes a tornarem-se inimigas número um da camada de ozônio. A quantidade de carbono que ela emite durante um ano é equivalente à poluição gerada por um carro. Agora danou-se. A pobre da vaca não pode nem peidar em paz! O que propõem os verdes? Rolha?!

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Fui ao meu primeiro jogo de rugby. Pra minha surpresa, é divertido! Não é mais uma excentricidade francesa! É empolgante e cheio de ação. Só não sei bem torcer direito. Decorei os principais gritos: “Take him down!” (Derruba ele!), “Come on!” (Vamos!), e um outro que me fugiu à memória agora! E eu nem sei o contexto adequado para utilizá-los... Pelo menos já tenho o time, que é o mesmo do pessoal que me levou, por gratidão. E também porque tem uma ligação com nossa terra. O time se chama Harlequim. Achei bastante adequado eu torcer pra esse time.

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Aos poucos vou encontrando as minhas coisas por aqui. Por exemplo, achei o meu supermercado. É o supermercado dos meus sonhos. Me lembro quando a Sadia lançou a linha de produtos HotPocket. Fiquei muito feliz, pois desde que saí de casa – que, aliás, nunca foi uma casa em que o ato de cozinhar fosse muito estimulado – que cozinhar sempre era um problema. Me senti contemplado, como público alvo, dessa nova linha de produtos. Prático, rápido e não é a pior coisa do mundo. Nada que um bom e velho ketchup Heinz não posso dar um jeito. Pois bem, aqui tem uma loja inteira de produtos “práticos, rápidos e que não são as piores coisas do mundo”. Se chama, muito sugestivamente, Iceland. E eu já fiz o meu cartão de fidelidade!

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Próximo relato, novidades. Casa nova, início de curso e o começo da brincadeira.


minha casa vista pelos fundos

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