segunda-feira, 9 de março de 2009

Faoro, Furtado e o novo Brasil

 





Tem-se evidente paradoxo quando o instrumento de transformação da realidade é o mesmo que serve para defender a manutenção do status quo.


A Geração de 1930, grupo composto por intelectuais que pensaram criticamente o Brasil sob diversas perspectivas, deixou marcas indeléveis não só na produção acadêmica subsequente, mas também na maneira como a sociedade brasileira compreende a si mesma. Muito do que esses pensadores destacaram como problemas permanece, em geral, como temas centrais no país. As disparidades regionais, apontadas por Celso Furtado, no seminal “Formação Econômica do Brasil”, como o grande entrave para o desenvolvimento econômico nacional ainda se encontram irresolvidas.

 

A pífia integração da economia brasileira, decorrente das disparidades econômicas e regionais, é o grande entrave para o desenvolvimento integral da economia nacional. A inclusão de mais brasileiros na sociedade de consumo, que corresponde ao incremento do mercado consumidor, é fundamental, segundo Furtado, para a inserção competitiva do país na economia mundial. Para que esse fim fosse atingido, caberia ao Estado função preponderante de indutor do processo.

 

A criação da Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (Sudene), sob os auspícios de Furtado, na segunda metade do Governo Kubitschek, visava, justamente, a exercer essa função de promotor ou de coordenador do desenvolvimento da região, integrando-a ao eixo econômico sul-sudeste. O Golpe Militar, em 1964, no entanto, interrompeu esse processo, que ainda se encontrava em fase incipiente. Retomando a tradição do Estado patrimonialista descrito por Raymundo Faoro, outro integrante da Geração de 1930, a Sudene, sob o regime autoritário, se torna instrumento de manutenção do poder por parte das oligarquias regionais.

 

A história da Sudene comprova a perspicácia analítica tanto de Furtado, como a de Faoro. Mas indica, também, a sua contradição intrínseca, que lhe foi fatal: segundo Furtado, o Estado seria, por vocação, o indutor do desenvolvimento regional; para Faoro, o Estado patrimonialista seria, por definição, instrumento de manutenção do poder dos estamentos sociais superiores. Tem-se evidente paradoxo quando o instrumento de transformação da realidade é o mesmo que serve para defender a manutenção do status quo.

 

A abertura política dos anos de 1980 dá início a um processo de redemocratização, bem ao gosto dos militares: lento, gradual e seguro. Nas duas décadas seguintes ao fim da ditadura militar, observa-se, no Brasil, a paulatina inclusão de novos setores sociais no processo político-decisório. Exemplo mais eloquente disso é a extensão do direito ao voto aos analfabetos, pela primeira vez na história do país. São lançadas as bases do atendimento público universal de saúde (o SUS). A sociedade civil se organiza em partidos políticos, sindicatos, movimentos sociais e organizações não-governamentais e se manifesta por meio de instituições democráticas existentes.

 

O processo de redemocratização, iniciado com a abertura política dos anos de 1980, aprofundado com a abertura econômica dos anos de 1990, culmina, nos anos de 2000, com o princípio de redistribuição da riqueza nacional. A desconcentração da renda se dá tanto social, quanto regionalmente. O Nordeste, assim como as camadas sociais mais baixas em todo o país, cresceu a taxas acima da média nacional. O crescimento em níveis chineses de regiões e setores sociais historicamente mantidos à margem dos ciclos de expansão econômica prévios é consequência direta de políticas públicas adotadas. Políticas como a valorização do salário mínimo, o Programa Bolsa Família, a ampliação da oferta de micro-crédito, o Pronaf, levaram a uma inclusão de mais brasileiros à sociedade de consumo. O aumento do mercado consumidor doméstico significa a integração das regiões periféricas à economia nacional. Isso porque a parcela mais pobre da população encontra-se nessas regiões.

 

A história recente do Brasil corrobora a análise de Celso Furtado. O crescimento econômico brasileiro da última década, ao contrário do de ciclos passados de expansão, é baseado no incremento do mercado consumidor doméstico, que ocorreu, por sua vez, em consequência de políticas públicas adotadas pelo governo brasileiro. O fato de a sociedade brasileira estar realizando aquilo antevisto por Furtado (inclusão social e desenvolvimento regional com base em políticas públicas redistributivas) talvez signifique, por fim, que esteja superando o Estado patrimonialista definido por Faoro.



2 comentários:

Anônimo disse...

Foi a prova, BJ? Muito bem escrita!

ana jurema disse...

muito bem posto, berna!
temos que batalhar pela continuidade e consolidaçao dessas politicas.