Eu continuo buscando entender a origem do meu prévio desprezo pela terra de Churchill. A imagem negativa no imaginário popular mundial é parte da explicação. Recentemente, me dei conta de outro motivo. A minha formação francófona. Os franceses implicam com os ingleses (e com os alemães, e com os belgas, e com os árabes, e com os americanos...). Mas talvez isso já seja sinal do progresso acelerado do meu processo de britanização: já estou culpabilizando os froggies pelos meus males... e já os estou chamando de froggies! Ui!
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Crescendo no Recife, aprendi a “jogar o lixo fora”... literalmente. Jogar fora do carro, fora da casa: em suma, fora, na rua. Tempos depois, me mudei pro Oregon, onde não se joga lixo fora. Lá, passei a conjugar o verbo “reciclar”, até então praticamente inexistente no meu vocabulário cotidiano recifense. Passou a ser prática diária. Agora, estou aprendendo outra forma de lidar com o lixo (antes de ele ser compactado e enviado pro Porto de Santos em containeres clandestinos, of course). Estava outro dia na estação de trem de St-Pancras, procurando onde “jogar fora” o lixo que segurava à mão. Perguntei a um guarda, que apontou uma mesa e disse: coloca ali naquela mesa. Claro, que pergunta besta, a minha! Aqui em Londres, nem “joga-se fora” nem “recicla-se” o lixo. Como não há cestos de lixo na cidade (consequencia de ano
s de atentados terroristas do IRA, seguidos pela Alqaeda), a gente aqui “coloca o lixo”. Em qualquer lugar – numa quina do muro na rua, debaixo do banco na estação de metrô, na mesa do café da esquina... Mas ele nunca é jogado, e sim cuidadosamente colocado.
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Brazil in London
Eu me mudei pro Borough. É um bairro bem central. Estou a 15-20 minutos de pedalada da universidade. O bairro é bem tranquilo e ao mesmo tempo central. É possível ir para qualquer parte da cidade, pedalando. Atravesso o rio Tâmisa diaramente. O mais difícil é a volta. Londres iluminada é de uma beleza incrível. É inevitável passar pela Waterloo Bridge e ficar olhando, à minha esquerda, a London Eye vermelha, brilhando no escuro; a Hungerford Bridge com seus cabos de aço iluminados, como que flutuando na escuridão; atrás dos dois, o Big Ben, imponente, elegantemente discreto com as luzes brancas destacando-o. Dependendo da hora da volta, ainda tem o céu de fim de t
arde de outono, as nuvens com diferentes tonalidades de laranja. Aprecio tudo isso em alguns segundos, porque se não prestar atenção, posso esbarroar com os carros estacionado
s na ponte (como é permitido isso?!). Mas é bom saber que no dia seguinte estará tudo lá, tão bonito quanto antes. Só o céu, que vai mudando, à medida que vamos avançando outono adentro.
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Tenho a impressão de que o outono é a segunda pior época para os garis. A primeira é o verão, com a invasão bárbara representada pelos turistas de verão, com seus hábitos anti-britânicos de jogar o lixo fora (ao invés de “colocá-lo” no canto). À medida que o verão vai acabando, também o fluxo desses bichos migratórios (os turistas) vai diminuindo. Na proporção inversa, no entanto, dá-se a queda das folhas. E antes que o gari pudesse suspirar aliviado, “ufa! Foram embora”, o gramado dos parques,
antes cobertos de embalagens de McDonald’s, já estão tomados, dessa vez, por folhas com diferentes tonalidades de laranja e vermelho. O número reduzido de turista nas ruas e as árvores totalmente desnudas me levam a crer que o inverno é a estação predileta dos garis. A conferir.
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Na primeira semana de aula, apareceu um stand no campus da universidade, Dr. Bike. Ofereciam conserto gratuito de bicicleta. Levei a minha, comprada de segunda mão e, portanto, em condições um tanto precárias. Meio com um pé atrás, porque onde venho aprendi que, de graça, nem injeção na testa! Mas estava anunciado: free bike repair. Levei meu meio de transporte para revisar. Enquanto o cara fazia o seu trabalho, eu perguntei qual o motivo daquilo. A prefeitura do bairro de Westminster (onde
está localizada a London School of Economics) quer incentivar as pessoas a utilizarem a bicicleta para ir para a aula e para o trabalho. Mas querem que os ciclistas usem bicicletas em boas condições. Por isso estava oferecendo aquele serviço, para garantir a segurança dos cidadãos. I’ve a feeling we’re not in Kansas anymore!
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Às vezes parece que eles fazem isso só pra sacanear com os estrangeiros. Porque não é possível, tem umas palavras que chega a ser criminoso. Escreve-se de um jeito e pronuncia-se de outro. Algo completamente aleatório e sem sentido. Meu bairro mesmo. Borough. Mas fala-se “bora”. Até aí tudo bem. Um que levei um tempo até aprender foi o Leicester Square. Insistia em pronunciar todas as sílabas. Erradíssimo. Fala-se “léster”. Não adianta buscar sentido. Não há. Tem que decorar mesmo. As sílabas estão lá, não para serem faladas. Só pra dificultar a vida de nós, estrangeiros, que nos esforçamos herculeamente para dominar a língua de Shakespeare. Tem o bairro aqui que se chama Southwark. Eu pronunciava direito, comme il faut: “south” + “wark”. Lógico, não? Não. Regra elementar: juntou, mudou. O jeito certo é: “só-thórk”. Outra que me embananava era uma estação de metrô que eu tinha ouvido falar... eu entendia algo como “suriquis”. Isso soava mais como praia nas Alagoas do que bairro londrino! Finalment
e vi uma placa na rua e a ficha caiu e eu quase que caí pra trás com a Eureka: Era “Surrey Quays”! Um colega inglês recentemente veio me perguntar em que “rus” eu habitava. E eu sem entender do que danado ele estava falando. Que diabo de palavra seria essa. Depois de um esforço de parte a parte, entendi. Ele estava perguntando qual era o meu “halls” (residência estudantil)!
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Continuo me surpreendendo com a polícia aqui. Eles montaram um stand vizinho ao do Dr. Bike. Minha bicicleta foi registrada, com um número permanentemente afixado. Se for roubada, basta que eu avise à polícia, que terá a descrição da minha bicicleta em seus arquivos e, encontrando-a, me avisarão por E-mail - http://www.bikeregister.com/ . O número de registro é carimbado de tal modo que não é possível retirá-lo. Ocorreram mais de 17 mil roubos de bicicleta entre abril do an
o passado e março desse ano. O bairro onde está a universidade foi onde ocorreu o maior número de roubos (436 entre abril e agosto desse ano). A ideia do registro tem o intuito de inibir a atuação dos ladrões. A polícia estava no campus para ajudar. E inserida na política mais ampla da prefeitura de incentivar o transporte limpo. Ainda acho estranho essa ideia de polícia amiga. Soa como oxímoro. Pensamento de brasileiro, I guess...
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As aulas começaram. A London School of Economics and Political Science (LSE) é um meio increvelmente cosmopolita. Não é por acaso: faz parte da política da universidade atrair estudantes de todas as partes do mundo. Assim como professores. Eu tenho um professor uruguaio (que também é o meu supervisor acadêmico), um sul-coreano, um americano e um britânico (galês). Tenho colegas do mundo inteiro. Inclusive um que se auto-intitulou de “the weird one” (o estranho): é nativo de
Londres. A biblioteca da LSE é a maior biblioteca de ciências sociais do mundo. Taí uma megalomania que não é ridícula. E, de fato, temos acesso a um acervo rico e plural. Quase todas as leituras das aulas estão disponíveis nas nossas páginas pessoais virtuais. Lá, podemos baixar os textos e imprimi-los na própria biblioteca, com a nossa senha, e dentro da lei – pagando direito autoral e tudo. Há muitos computadores para que os estudantes possam fazer o seu trabalho, e eles estão integrados em rede, de modo que eu possa guardar os meus arquivos e ter acesso a eles a partir de qualquer computador do sistema. As minhas disciplinas esse termo são: Desenvolvimento Latino Americano no Século XX: de liberalismo a neo-liberalismo; o Estado e Instituições Políticas na América Latina; Introdução a Política Comp
arada.
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Até agora, sigo adorando Londres, com clima frio e tudo. Soube que o teste de fidelidade com a cidade é o inverno. Vamos ver como me sairei. O teste do outono, estou passando: so far, so good.
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Veja aqui fotos do meu verão londrino. Reparem no mapinha ao lado direito da tela a localização exata de cada foto!
De vez em quando uns hare krishna aparecem no campus
oferecendo uma gororoba gratuita. É um sucesso.
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4 comentários:
Muito legal, o seu blog. So um comentario. Borough eh bairro. Pelo que vc falou, acho que vc mora no borough southwark. E sexta, cervejinha no The George's?
froggies o que? posso saber?
froggies, derivado da palavra frog, sapo em inglês. é uma referência aos hábitos culinários franceses, tidos como estranhos pelos roast-beefs, que por sua vez é como os froggies se referem aos ingleses. eles se adoram!
Adorei as descrições dos seus hábitos londrinos. Bike, London School, nada mal. Aposto que você tem praticamente o mesmo cardápio que tinha em Brasília ai! Mas esse negócio de colocar o lixo ainda não me convenceu, só indo ai para acreditar que isso funciona.
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