sábado, 6 de junho de 2009

Mês 1


Seguindo o exemplo de Diogo, com seus relatos mensais da experiência suíça, dou início ao meu próprio relatório mensal!

Sábado fará duas semanas que cheguei em Londres. Mas completará um mês de Europa. Dorothy e Luiz Gonzaga me vêm à mente sempre que observo as diferenças entre o lugar estrangeiro e a terra natal (a “hometown”, como dizem os gringos – no meu caso particular, sutileza semântica que faz uma diferença!). Dorothy, quando tem sua casa levada pelo furacão em “O mágico de Oz”, ao se deparar com seres e paisagens que não lhe são familiares, comenta com o seu cãozinho: “Toto, I’m afraid we are not in Kansas anymore”. Por sua vez, Gonzagão, retirante nordestino na Cidade Maravilhosa, comentava os aspectos da vida urbana do Rio da primeira metade do século 20, e pedia licença para dizer: “vocês cá da capitá, me adesculpa essa expressão: no Ceará num tem disso, não”.

Primeiro contato com a Europa, e Dorothy e Luiz Gonzaga já me aparecem, logo que saio do aeroporto de Lyon, onde entrei na Europa. Mobilidade. Para quem vem do Brasil, é sempre uma surpresa como é fácil de se locomover numa cidade européia. Cheguei cansado da farra de despedida e baqueado com as horas mal dormidas e a decalagem de horário. E, apesar disso, não tive problemas em fazer o percusso aeroporto-estação de trem (Lyon) e, de lá, trem para St-Etienne, para onde fui ao casamento da nossa “família francesa” – a família Pays, que acolheu os meus pais quando eles moraram lá, 30 anos atrás. Foi bem interessante o retorno à cidade onde nasci, tanto para mim quanto para os que estavam lá. “Eu vi você tout petit, bem pequenininho” foi uma frase que ouvi à exaustão. O casamento em si, foi uma experiência antropológica – foi meu primeiro evento do tipo na França. Casório à francesa é totalmente distinto da festa tal qual estamos acostumados no Brasil. Na terra de Mussum e de Lula, a cerimônia religiosa é só para agradar aos avós e não passa de um empecilho para começar a derrubar aquela garrafa de Red Label: o objetivo da festa é embreagar-se (assim como o de ir para praia, sair com os amigos, ir ao campo de futebol, festa de aniversário... qualquer pretexto serve para encher a cara). Na terra de Coco Channel, a cerimônia é civil (ao invés da imagem de Cristo, uma foto de Sarkozy... que, para alguns, é a encarnação do diabo!). A maior parte do tempo fica-se sentado numa mesa de lugares marcados, enquanto os pratos são servidos na ordem (entrée, salada, prato principal, queijo, sobremesa). Entrementes, homenagens aos recém-casados são oferecidas por parentes e amigos – discursos, canções improvisadas, slides de fotos, piadas hilárias e outras de mau gosto. Também tem álcool, mas a variedade vai bem além do Red Label típico do Brasil. Mais que isso: cada momento requer uma bebida específica. Vinho branco pro peixe, tinto pra carne, champagne ao final, etc.

De St. Etienne, volto a Lyon, onde fiquei entre a casa de Alvinho, amigo de Recife, e Philipp, de Berlim. Lyon é uma cidade linda, antiga capital gaulesa, cheia de história que remonta ao Império Romano. É também um modelo de urbanismo. Em Lyon, locomover-se é fácil. Lá tem metrô, tram-way, ônibus, ônibus elétrico, ciclovias, bicicletas públicas e amplas calçadas para os pedestres. Ah, tem carro e táxi, também. A beira do Rio Saône, até pouco tempo, era estacionamento de automóveis. O prefeito atual mudou isso. Transformou toda a beira-rio em área de lazer, com pista de cooper, ciclovia, piscinas infantis, pista de skate, etc. Os motoristas chiaram. Mas, hoje, a beira-rio vive cheia de gente – todo tipo de gente. Tem várias ruas exclusivas para pedestres, e outras onde a prioridade é sua e não do carro. Todas as paradas de ônibus têm um mapa. Locomover-se em Lyon não é só uma experiência agradável – é também fácil.


De lá, peguei uma carona com Philipp, que ia até Locarno e me deixou no meio do caminho, em Évian, no lado francês do Lago Léman. Peguei o barco e em 30 minutos estava do outro lado. Passei uns dias com Diogo, se apertando para compartilhar os 20 metros quadrados do seu apartamento. A gente não faz idéia do que são 20 metros quardados até que se tenta compartilhar esse espaço. Não é trivial. Não há armário na cozinha: a cozinha é no armário. O box do meu banheiro em Recife era do tamanho do bannheiro inteiro. Pelo lado positivo, Lausanne tem uma qualidade de vida impressionante. A cidade é bucólica e de um silêncio profundo. O prédio de Diogo fica ao lado do parque que margeia o lago. As árvores que circunscrevem a área em que ele mora faz com que, pela manhã, sejamos acordados ao som dos cantos de vários pássaros. Conheci alguns amigos de Diogo e pude ter uma idéia do seu cotidiano. A Suíça é tão limpa e próspera, que sente-se um contraste ao voltar para a França. De repente, Lyon me parecia meio suja, meio bagunçada, meio decadente... Em Lausanne eu procurei e não achei nem uma mísera tampinha de Coca-Cola no chão. Difícil será depois Diogo se adaptar a morar em qualquer outro lugar do mundo – exceto, talvez, o Canadá e os países Nórdicos!

Faz pouco mais de uma semana que estou procurando emprego aqui na terra de Lady Di. A oferta é impressionante. Tem muito emprego, para todo tipo de gente, todos os níveis salariais, graus de formação, áreas de atuação. E mesmo o pior deles, o salário oferecido é sempre digno. Como diria o Velho Lua, no Ceará num tem disso, não!

Com pouco mais de uma semana de busca, já estou com três perspectivas, embora nada ainda assegurado. Esse fato (não ter nada certo ainda) estava me deixando um pouco inquieto. Até que um dia desses fui fazer um lanche numa Starbucks. Comentei com a colombiana que me atendia que estava buscando um trabalho de verão (summer job). Ela recomendou o site que todo mundo me recomenda desde que soube que viria para Londres – www.gumtree.com . Eu respondi que já estava procurando lá e ainda não tinha conseguido nada. Ela levantou os braços, em sinal de reprovação, quando eu disse que estava buscando havia uma semana.


Ela tinha razão. Até então eu só havia recebido a proposta para ser piloto (será essa a melhor palavra?) de “rickshaw” (aquelas bicicletas à chinesa que carregam passageiros pela cidade). Mas um dos funcionários do cara que me contrataria sofreu um acidente no fim de semana passado, e até agora ele não me deu mais notícia. O que talvez tenha sido para o melhor. Em seguida, fui para uma entrevista para trabalhar num restaurante fast-food de saladas e comidas saudáveis. Não sei bem o que faria lá, mas se eles me contratarem para fazer salada, só digo uma coisa: nunca vão lá para comer! Eu nunca comeria salada num estabelecimento que me contrata para fazê-las! Na segunda-feira, irei para outra entrevista... para a posição de “game-tester”: são oito horas diárias de jogos que ainda nem foram lançados. O sonho de vários amigos meus. Mas uma das minhas desvantagens é o fato, justamente, de eu nunca ter sido muito de jogar vídeo game. Basta dizer que o primeiro e último console que eu tive foi o SuperNintendo! Também recebi propostas para dar aula de francês e prestar assistência social.

Não sei se ficarei em nenhum deles. O que não é um problema grave. Cada dia um sem-número de trabalhos os mais diversos é acrescentado no gumtree.com . Mas o que impressiona é o dinamismo da economia inglesa/europeia que, mesmo em recessão, tem essa diversidade de empregos. Economia dinâmica. E eu, cá com os meus botões recifenses: Toto, I think we are not in Kansas anymore! Game-tester? Ser pago (400 libras/semana) para jogar vídeo games? Definitivamente não estou mais no Kansas!

Fora isso, a Inglaterra tem me causado uma ótima impressão inicial. É clichê dizer que viajar abre a mente e desfaz clichês em relação a outros povos. Como também é clichê dizer que algo é clichê... mas o fato é que, na verdade, às vezes viajar confirma certos clichês e acaba com outros. O famoso British humour está, definitivamente, na categoria dos clichês comprovados. Andar nas ruas de Londres, às vezes, é como assistir a um episódio de Monty Python.

Cena 1 – no ônibus, neto para avó

- “Por que o seu rosto é assim?”

- “Assim como?”

- “Wobbly” (molenga, instável)

- “Ah... Porque eu sou velha.”

Silêncio (e eu prendendo o riso).

- “Então quando eu crescer eu vou ficar igual a você?”

- “Não, porque você é homem e eu sou mulher.”

Cena 2 – na rua, o celular do cara cai no chão. Ao invés de se irritar, ele gesticula como se tivesse feito de propósito e vai na direção do seu aparelho como se fosse pisá-lo para esmagar. Puro humor físico, chapliniano!

Cena 3 – Vitrine de uma loja de vinhos: “A recessão não é desculpa para se tomar vinho ruim!”.

Cena 4 – eu cheguei em Londres depois das 23h, depois que o meu voo barato da RyanAir me deixou num aeroporto a não sei quantos quilômetros de Londres. Carregado de mala, cansado, com fome... e a estação de metrô que eu tinha que descer estava fechada. Tive que pegar um ônibus, e me atrapalhei. Finalmente, peço ajuda a um inglês ao meu lado, de 30 e poucos anos. Primeiro, ele deixa que eu faça um ligação de seu I-Phone para os meus amigos que vão me receber. Depois, ele desce comigo na minha parada (tudo bem, era a mesma dele), carrega a minha mala mais pesada e me deixa na porta da casa. No caminho, eu comento que me sinto um pouco mal por ele estar se dando a todo esse trabalho. Ao que ele responde: “No problem. I have a lot of bad karma do undo... I’m a lawyer”. Que bom que tenha sido comigo! Mas achei a justificativa genial!

Outro clichê corroborado é a pontualidade britânica. A imprensa está pegando no pé do governo local aqui, porque a pontualidade dos trens e metrô aqui é de “apenas” 90% dos casos e as autoridades estão comemorando como um sucesso. É um fracasso, dizia o artigo do tablóide, porque no Japão o índice de atraso é de 1% (3 a 5 segundos de atraso) e, ainda assim, lá a meta é chegar a índice zero de atraso. O clima, desde que cheguei, tem sido agradabilíssimo. Embora hoje tenha feito um clima mais condizente com a fama londrina (cinzento, frio, com chuvisco constante)... mas esqueceram de avisar ao sistema de auto-falantes do metrô, que aconselhava os passageiros a andar sempre com uma garrafa d’água, “in this hot wheather”. É verão – summertime – mesmo se estiver fazendo 11 graus lá fora... Por fim, a comida aqui não é horrível. Primeiro, porque Londres é uma cidade cosmopolita e, portanto, é possível comer-se de tudo aqui, e a todos os preços. Segundo, mesmo os pratos tipicamente locais, podem ser bons. Provei as famosas fish & chips, delicioso. E “O” outro prato típico, salchicha com purê de batatas e molho, também é bom. Fora esses dois, tem o “English breakfast”. Fica pro próximo mês. E segunda, me mudo. Vou morar aqui.

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