O não-carnaval de Brasília
Algumas pessoas têm me perguntado como é o Carnaval de Brasília. A resposta é simples: não é, ele não existe. É o não-carnaval de Brasília.
Nesses dias, me lembrei do Carnaval de 2002, quando passei bem longe das ladeiras de Olinda, nas alturas andinas do Carnaval de Oruro, "patrimônio cultural da humanidade" declarado pela Unesco (te cuida, Olinda!). Fui lá com a mente aberta, tentando ao máximo evitar comparações e curtir a festa. Foi depressivo. As marchas de instrumento de sopro e os desfiles ao estilo do Carnaval carioca - numa versão muito mais simples, sem nada disso de patrocínio da PDVSA - tornaram inúteis meus esforços de relativismo cultural. É bonito, é simpático e tal, mas, lo siento, aquilo ali não é carnaval. No máximo, uma parada alegre.
Carnaval mesmo, e aprendi isso desde cedo, é o Carnaval de Olinda. Tendo pais foliões (já saíram até de anjinhos no Jornal Hoje, há alguns Galos da Madruga atrás), fui bem escolado. Mas seria, independentemente disso. Me dei conta, aqui em Brasília, tendo contato com pessoas oriundas das várias regiões do país, que poucos lugares no Brasil atribuem ao Carnaval tanta importância quanto o pernambucano. Até o fato de eu dizer "brincar carnaval" foi motivo de comentário - me senti o próprio aborígena: "Olha só, como ele fala, que engraçado".
No ano passado fui passar o Carnaval em Recife - por razões outras que não a data festiva, diga-se. Finalmente caiu a fichinha: eu não sou folião. Fui para Olinda no sábado de manhã. Às 16h já não agüentava aquele apertado, aquele calor, aquele melado que era mescla de suor meu com o alheio e mais outros líquidos que é melhor nem saber, aquela zoada, aquele empurra-empurra que destrói qualquer livre-arbítrio remanescente do controle social. Na terça-feira à noite tentei mais uma vez, afinal, é carnaval. Fui ao Recife Antigo - ou Bairro do Recife, como preferem os puristas. Chegar lá requer todo um planejamento, mas tudo bem, afinal, é carnaval. Estando lá, depois de uma dose de vodka começo a curtir, até me perder da minha turma no meio da multidão. Sem problema, outra dose de Absolut. Tentativa de roubar o celular do meu pai, que eu tinha, contra as recomendações maternas, pego emprestado, frustrada pela minha determinação. Mas minha dose caprichada de Absolut se foi pelos ares e meus joelhos ficaram afolosados. Assim foi o fim - melancólico, é verdade - do meu último carnaval.
E quando eu saía de lá, contra o fluxo infinito e contínuo de foliões alegremente alegres, eu pensava - como é que eu nunca tinha me dado conta antes de isso não é pra mim? Minhas melhores lembranças do Carnaval de 2005 foram o dia que passei com meu afilhado na piscina na casa do meu tio em Maria Farinha, e ter visto "Sideways" com um amigo no Tacaruna. Enquanto isso, meu irmão passou todos os dias - todos! - da folia em Olinda. Não concebo isso. Só tem uma explicação: sofri, durante anos a fio, lavagem cerebral intensa. A pressão para se gostar dessa festa, em Pernambuco, é incrível. Vem de todos os lados. Mídia, amigos, família. Todo mundo tem que brincar carnaval, todo mundo tem que estar alegre, saltitante, e frevar sempre que tocar o tararã-na-nã-na-nã... Tal qual a aldeia de Asterix na Gália dominada pelos romanos, eu me rebelei: em Pernambuco todos brincam Carnaval... Todos? Não! Uma pequena aldeia resiste...
Odeio me fantasiar, odeio gente suada - ainda mais desconhecida - me tocando, não suporto cerveja quente, detesto refeição anti-higiênica no meio da rua e debaixo de sol de rachar côco, acho o Eu Acho É Pouco um saco (talvez perca uns 20 amigos por adimitar isso publicamente!), e o único bloco no qual eu sairia, não por acaso nunca sai (o Bumba Meu Ovo)... O melhor mesmo do carnaval é, depois do fato consumado, ler o relato de Cecília e ver as fotos, no blog dela (www.aportadarua.blogspot.com). Me dou por satisfeito. Ela é, para aqueles que não conhecem esse blog, a Danuza Leão da minha geração!
Este ano, estava no lugar certo. Não senti a menor saudade do caos de Olinda. E curti a tranqüilidade típica de Brasília, que ficou ainda melhor já que quaisquer foliões que possam existir nessa cidade tinham ido para o seu devido bloco, trio ou escola, em Recife, Salvador, Rio, ou seja lá onde se tenha esse tipo de manifestação cultural. Curti a bucolidade brasiliense, indo para as aulas (sexta, sábado, segunda, terça, quarta...) normalmente e, no tempo livre, lendo literatura ou indo ao cinema. Ano que vem convido a todos os meus amigos a passarem o não-carnaval mais tranqüilo do país aqui comigo.
3 comentários:
Estou estupefato com essa revelacao! Berna o foliao mais foliao da folia rebelou-se. Eu q nunca fui foliao de verdade me surpreendi q dira os outros. Danuza Leao da sua geracao foi boa, hein? ela ja casou com frances rico?
momento de transicao Berna, sinto os ares da vitoria (sua) chegando...
hahahah, "danuza leão da minha geração" foi ótemo! me sinto lisonjeada :)
quanto a casar com um francês rico, ainda não. quem sabe quando eu for uma senhora chiquérrima como a minha musa e só conseguir trabalhar em paris?
beijão!
Este ano passei o carnaval no Rio. Foi diferente, pois a energia e espírito carnavalesco aqui é outro. Acho bonito como em Recife-Olinda nós vemos pessoas se fantasiando, se misturando e, de fato, brincando no carnaval... acho que não se trata de lavagem midiática e, sim, de cultura, mesmo. Usar a festa como meio de desligar-se da realidade e viver, por quatro dias, uma independência de tudo: trabalho, família e até do próprio Eu de cada um.
Eu curti meu carnaval... fui muito ao cinema, à praia tomar Matte com Limão (bem geladôôô), curti uma piscininha... e não senti a menor falta de cair na folia em Recife-Olinda.
Tenho minhas críticas com relação a determinados exageros de carnaval e a determinadas evoluções de conceitos e blocos(Eu Acho é Pouco). Mas respeito tudo e acho bonita a brincadeira. Só não morro do coração por não poder fazer parte dela. Mas quando entro no clima, entro de cabeça como gosto de fazer com toda experiência que tenho a oportunidade de viver. Overdose total!
Vou checar a página da Danuza...
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