Carta a um amigo
escrito privadamente a um amigo, a 05 de outubro de 2006, sobre essas eleições,
reproduzido aqui, com adaptações, com a sua autorização.
escrevo a respeito de seu comentário. Dizer que o voto em
Lula é "cegado pela ideologia" significa que você ou não leu os textos no
blog em que explico minha posição pró-Lula, ou leu e não entendeu.
Meu voto é o oposto de ideológico. A ideologia do individualismo, como a
de Thoreau, e do Estado mínimo ou inexistente, como a de Bakunin, faz
sentido em país desenvolvido (se tanto). Em um país cultural e
materialmente atrasado como o nosso, um país de pobres e miseráveis,
simplesmente não faz sentido, soa hipócrita, não tem embasamento na nossa
realidade (aliás, a peça "Um homem é um homem" de Brecht trata disso).
O seu voto nulo, baseado numa ideologia importada de sociedades diferentes
e descontextualizada historicamente, considera que não há diferenças
substanciais entre Alkmin e Lula. Mas as há, sim. Senão vejamos. A
candidatura tucano-pefelê tem uma plataforma economicamente
neoliberalizante (retomada das privatizações, terceirizações, arrocho
salarial do funcionalismo - em suma, diminuição do Estado em benefício da
iniciativa privada) e socialmente conservadora (contra o aborto, contra
pesquisas em células-tronco, etc). Nesta definição, trata-se de uma
candidatura de Direita.
Por outro lado, a plataforma do Gov. Lula é economicamente
intervencionista-estatal, privilegiando o Estado como condutor do
desenvolvimento econômico, e por isso fortalecendo-o (fim de privatizações
e terceirizações, mais concursos públicos, aumento salarial horizontal pro
funcionalismo). Ao Estado cabe, nessa concepção, a distribuição direta
(Bolsa-família) e indireta (Fundeb, SAMU, antendimento bucal, ampliação do
PSF, Pro-Uni) da riqueza nacional. E socialmente progressista (políticas
de ação afirmativa, defesa dos direitos da mulher, defesa de tributação
sobre herança de grandes fortunas - aliás, projeto do governo que não foi
aprovado no Congresso -, defesa dos gays - como no projeto de Marta).
Claro que os casos de corrupção me deixam com raiva. Mas existem outros
critérios, além do moralista, para se escolher o voto. E eu não voto
pensando em mim, exclusivamente, mas na coletividade (classificaria esta
posição como de "idealismo pragmático"). E de mais a mais, esse
governo é mais transparente que os outros - a imprensa com seus
interesses, é mais vigilante do que nunca, e o próprio governo fortaleceu
as instituições investigativas, como a PF e a CGU. E, falando de ética - não é
ético a redistribuição de renda? Vamos expandir o sentido de ética. Por que
restringi-lo ao gosto da oposição conservadora?
O que incomoda a pessoas como eu, é o fato degente como tu, inteligente e
com visão de mundo progressista, não perceber que existem diferenças
significativas, sim, entre as duas candidaturas. E que o voto nulo, seja por
questões moralistas ou ideológicas, é inconseqüente e inócuo. O voto no Lula
é uma escolha pragmática por uma plataforma que trouxe mudanças pros
setores sociais e regiões nacionais historicamente marginalizadas dos
processos de desenvolvimento econômico do país. Reitero o que já disse - não
questiono a legitimidade do voto nulo, mas apenas a sua eficácia como forma
de protesto.
Os diferentes jogos ao qual você se refere não são excludentes.
Lembremos Gandhi - o mais ilustre praticante da desobediência civil e do
pacifismo. Ele lutou pela independência do Estado indiano e não se esquivou
do embate político-eleitoral. Temos outros exemplos históricos de como o
voto faz a diferença (pro bem e pro mal) - Hitler e Mussolini nos anos 20 e 30,
Allende no Chile, Morales na Bolívia, o PSOE na Espanha, os Republicanos
nos EUA, Chávez na Venezuela...
Te peço, por isso, que entendas minha posição e meu apelo para que
reflitas as conseqüencias do teu voto.
Um abraço, com carinho e respeito, do amigo -
terça-feira, 17 de outubro de 2006
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2 comentários:
berna, se eu fosse esse seu amigo, ja estaria convencido!!! seu ponto está bem argumentado/fundamentado, elegante e carinhoso!
agora vou ver se consigo enviar esse comentario...
consegui! estou ficando uma mocinha!
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