A administração colonial espanhola como origem da estratificação social dos países latino-americanos.
Um aspecto salta à vista quando observamos os atuais conflitos políticos no México, no Equador, na Venezuela, na Bolívia ou no Peru: há, latente ou patente, uma divisão de ordem étnica. A explicação está no legado histórico do modelo administrativo colonial espanhol.
Os territórios espanhóis nas Américas eram divididos em vice-reinos e capitanias gerais, governados sempre por alguém ligado à família real espanhola, e com autorização da Igreja. A política colonial era fortemente centralizada na Metrópole, sendo o Conselho das Índias, em Sevilha, o órgão responsável por defini-la e implantá-la.
Os espanhóis nascidos na Espanha, os “adelantados”, desfrutavam amplos privilégios políticos e econômicos nas colônias, inclusive em detrimento dos espanhóis nascidos fora da metrópole, os “criollos”.
O objetivo dessa forte centralização metropolitana era exercer forte controle contra o contrabando de metais preciosos advindos das colônias. Os principais postos políticos eram ocupados, apenas, pelos “adelantados”. Aos “criollos” restava a possibilidade de sucesso econômico. Estes dois grupos compunham a elite dominante.
A grande massa era composta pelos índios, mormente nos países andinos, onde foram base no trabalho sub-humano da extração de prata e ouro. Lá onde essas riquezas inexistiam predominava o sistema de “plantation” – latifúndio, mão-de-obra escrava, monocultura, voltado para o comércio internacional –, e o trabalho forçado indígena era substituído pelo africano arrancado de suas terras.
Os processos de independência das colônias espanholas se deram, via de regra, pela disputa pelo poder político entre “adelantados” e “criollos”. Os libertadores hispano-americanos, não à toa, advêm desse segundo grupo.
O resultado decorrente deste processo de formação sociológica foram sociedades extremamente desiguais, com um corte marcadamente étnico. O controle político e econômico permaneceram nas mãos de uma minoria branca, de origem européia, enquanto a grande maioria de indígenas e mestiços permanece marginalizada socialmente.
Não é por acaso, então, que as classes média e alta venezuelana se refiram de modo pejorativo ao Presidente Hugo Chávez, tratando-o de “cholo”, em relação ao fato de ele ser mestiço. No México, o movimento revolucionário zapatista, liderado pelo Comandante Marcos, é composto por indígenas. Na Bolívia, o maior líder da oposição, o “cocalero” Evo Morales, é indígena, assim como sua base social de apoio. Ao passo que as elites desses países são brancas ou ocidentalizadas. É emblemático o fato de o ex-presidente boliviano Sánchez de Lozada, derrubado pela pressão popular, Morales à frente, falar espanhol com sotaque inglês.
O modelo administrativo implantado pela Espanha em suas colônias americanas gerou uma estratificação social engessada e diretamente ligada à questão étnica. É em conseqüência desse legado histórico que a luta social esteja, ainda hoje, em boa parte das ex-colônias espanholas, intrinsecamente associada à luta étnica.
2 comentários:
Ae Berna, to gostando de ver a produção. O texto está bem enxuto, o que é uma qualidade em certas circusntancias. Acho q vc poderia explicar qual o papel da massa indígena/negra no processo de independecia guiada pelos "criollos", se é que houve alguma participação, que não a de ser apenas massa de manobra.
A idéia de "criollos" ainda é pertinente nos dias atuais (como um elite branca)?
jorge, eu acho que aí varia de país para país... Na bolívia, por exemplo, os indígenas têm uma tradição de mobilização política, que é explicada pelo movimento operário ligado ao estanho, e remonta a meados do século XX. No Equador, essa tomada de consciência política é mais recente. Em todo o caso, acho que até o século XX esse amplo segmento social era bastante desmobilizado. A exceção talvez sejam os negros do Haiti, cujo exemplo atemoriza as nossas elites no século XIX.
Sobre a sua pergunta, eu não saberia responder. Diogo, que domina o espanhol, talvez possa esclarecer melhor essa questão.
ah, e brigado pelo elogio!
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