Greve nas Federais As universidades estão morrendo à mingua. E os greveiros de plantão anunciam a profecia que se auto-realiza: as paralizações sistemáticas apenas servem para acelerar esse processo. As greves, por inócuas, são insensatas sob qualquer perspectiva que se queira analisar. Ao interromper a produção científica e de conhecimento, a conseqüencia imediata é uma população menos educada. Um curso que tenha a duração de quatro anos é, desse modo, concluído em cinco, seis ou sete. Sem que os anos extras impliquem em maior conhecimento para o aluno. Disso decorrem custos individuais - a impossibilidade de planejar-se a carreira acadêmica a médio prazo, a desmotivação acadêmica, a formação interrompida e fragmentária -, e sociais - o ingresso tardio de contingente significativo de mão-de-obra no mercado de trabalho, a má formação intelectual de cidadãos, o descrédito das universidades públicas perante a sociedade, além do desperdício de recursos públicos escassos. As greves são contra-producentes. O mito de que elas sejam eficazes serve apenas para que os greveiros, por ingenuidade ou má-fé, a defendam. Mas, se fossem eficientes, não seria necessário uma atrás da outra, como tem sido o caso nos últimos anos. As paralizações alienam a comunidade universitária, dispersando-a. E respaldam o discurso daqueles setores sociais que se opõem à universidade pública de qualidade. Além de não sensibilizar aquelas pessoas que não têm vínculo com o ensino superior público - ou seja, quase toda a população brasileira. Tudo isso sem contar o anacronismo que significa a greve, sobretudo em se tratando do setor educacional. Greve no setor produtivo privado é bem diferente: o operário, ao interromper a produção, prejudica diretamente o patrão e todos os setores da sociedade ligados àquela cadeia produtiva. Além dos consumidores finais, que podem ser igualmente prejudicados. A empresa tem, portanto, incentivos para resolver o impasse rapidamente. No setor educacional público, não é o que ocorre: ao interromper a produção de conhecimento, no curto prazo apenas os integrantes da comunidade universitária são atingidos; no longo prazo, a sociedade paga custos dispersos, mencionados acima. E o "patrão", no caso o governo federal, não tem os mesmos incentivos para chegar a um acordo, pelo menos não por esses meios. As greves são, ademais, ilegítimas. Os sindicalistas profissionais são, via de regra, professores que não pesquisam e que não ensinam. São intolerantes, não aceitam idéias divergentes. As assembléias (de lagartixas, que aprovam tudo) que decretam as greves são pouco representativas. Os líderes sindicais são, todos, ligados a partidos políticos, misturando assim interesses político-eleitoreiros com interesses classistas sob um verniz de pseudo-interesse coletivo. A imprensa mal fala do assunto (educação não dá manchete). Não há previsão de fim da greve As universidades estão vazias, as bibliotecas fechadas. Os alunos, reféns do movimento, aguardam - isso nos cursos que aderem (ou que são impelidos a). Desigualdades já emergem aqui. Na UFPE, por exemplo, as Humanas sempre param (ai do professor que ousar pensar diferente). Outros departamentos, como o Cin, sempre funcionam. O movimento estudantil apóia a greve acriticamente, sem levar em conta os males causados aos estudantes. O corpo estudantil, em sua esmagadora maioria, mofa em casa, ou vai à praia, se desmotiva da vida acadêmica: afasta-se da universidade. O governo federal propôs reajustes acima da inflação a todas as categorias de professores. Foram feitas três propostas sucessivas. Nenhumas foi aceita. Onde querem chegar os greveiros? Se o objetivo dos profissionais da greve é tirar proveitos eleitoreiros da crise do ensino público, são irresponsáveis e oportunistas; se é, genuinamente, buscar soluções, são burros. Os professores contra a greve, no entanto, não se expressam, não se mobilizam. Onde estão? (Na iniciativa privada?). A maioria silenciosa - de alunos e professores insatisfeitos com o movimento anti-universidade - precisa urgentemente organizar-se. Aqueles, alunos e professores, que se preocupam de verdade com a qualidade do ensino superior público no país precisam refletir a questão. Precisamos pensar novos meios de mobilização e reivindicação, que sejam responsáveis e conseqüentes, que agregue e não disperse. Fortaceler a universidade é povoá-la, é instigar os alunos à reflexão, realizar pesquisas, produzir conhecimento. É isso. Na educação da era do conhecimento e da informação, o melhor protesto é mais, e não menos!, produção. |
terça-feira, 22 de novembro de 2005
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12 comentários:
Muito bom o texto Bernardo. Pouco há que se comentar. Mesmo os professores, não tem qualquer engajamento num política série de reestruturação das Universidades. Percebem que o caminho das greves sucessivas tem sido auto-destrutivo. Não há que se questionar o legítimo direito a greve, mas esta, neste momento, é bastante oportunista pois se aproveita da fragilidade política para tirar proveito próprio. O governo tem sinalizado uma nova postura perante o ensino superior- desprezado na Era Collor e FHC - exemplificado na Reforma Universitária. É a melhor coisa, a mais perfeita? Não, mas é um sério indicativo da atenção e disposição para a mudança e o diálogo. É preciso parar neste país com o desejo de soluções prontas e acabadas (vide o caso do desarmamento, o qual muitos eram contra pq não iria acabar de uma vez com a violÊncia). Somar, não subtrair, eis o cerne da questão.
Acredito na legitimidade de greves, mas as greves dos professores das federais foram banalizadas, não são mais levadas a sério. Virou estação do ano: primavera, greve, verão, outono, inverno. Aí esculhamba qualquer justa causa que possa estar ligada ao movimento. Quero ver proposta de quem protesta! Quero ver protesto sem comprometer a educação alheia! Quero ver vontade de, de fato, ajudar o coletivo! Como estudante universitário do ensino público que jamais fui, isso me deixa indignado! ;)
Olá! Vários comentários estão rolando na página do cmi, onde Bernardo também publicou este texto: http://www.midiaindependente.org/pt/blue/2005/11/338884.shtml
Dizer que as greves são todas insensatas, “sob qualquer perspectiva que se queira analisar” é um erro. Avaliações de vitórias ou derrotas devem ser ponderadas segundo critérios econômicos, sociais e políticos, para evitarmos conclusões derrotistas. Pasmem a audiência do Fantástico, as greves têm cumprido o papel político de evitar uma maior precarização das carreiras universitárias, seja quando em 2000 a greve unificada de servidores públicos conseguiu barrar o envio do projeto de emprego público do governo FHC ao Congresso, ou quando a greve de docentes, técnicos e estudantes de 51 universidades federais no ano seguinte, conseguiu manter o Regime Jurídico Único. Do mesmo modo, as referidas greves, derrotadas em suas reivindicações salariais, conseguiram impedir o envio do projeto de autonomia universitária do MEC ao Legislativo (2000) e garantiu a abertura de duas mil vagas para docentes nas instituições federais de ensino superior (2001).¹ Mesmo do ponto de vista das reivindicações salariais, sob algumas perspectivas as greves têm também sido vitoriosas, uma vez que há 25 anos não há reajuste salarial sem greve.
Mas tudo bem, eu até concordo que esta greve, a do momento, é de oportunistas, não foi construída, foi empurrada goela abaixo. Mas goela a baixo de quem? Eu não vi ninguém engasgar. Os grevistas partidários estão defendendo os interesses de seus partidos, de forma irresponsável e covarde, e os que não engasgaram, ou que “não ousam pensar diferente” estão defendendo os interesses de quem? Como criar novas alternativas de reivindicação sem ousar?
A esperança é de que algum dia os não-ousados finalmente achem que têm alguma coisa para defender e venham contribuir com o debate sobre a eficiência das greves, talvez até mesmo cheguem a conclusão de que a greve pode sim ser eficiente, se for construída coletivamente, se for produtiva, se for transformada em tempo útil. Mas enquanto isso as decisões vão mesmo ficando nas mãos de quem tem algo a defender.
Quanto aos professores que acham que furar a greve é ser ousado, eles só ajudam os não-ousados a construir a meia-greve, além de serem insensíveis por colocar seus alunos a mercê de sua agenda de férias. Em algumas universidades, furar a greve é ainda um descaso brutal com os estudantes de baixa-renda, na UnB, por exemplo, o R.U. (Restaurante Universitário) e os servidores que viabilizam o passe estudantil estão parados, tornando inviável para estes alunos manter-se na universidade.
É uma situação delicada essa a nossa, se nos posicionamos contra as greves corremos o risco de estarmos apoiando a construção da meia-greve. Já os que apóiam as greves são taxados de acríticos. Não seria subestimar os poucos universitários que se esforçam para sair da individualidade e contribuir com o movimento estudantil? Existem por aí estudantes que de fato trabalham coletivamente para que os anos extras na universidade impliquem em maior conhecimento. Na UnB os estudantes de Desenho Industrial têm realizado oficinas desde o início da greve, os grupos de estudo de desenho de observação também continuam. Os alunos das Artes Cênicas estão ensaiando, os alunos do DCE ocuparam a reitoria e conseguiram, dentre outras reivindicações que foram atendidas, marcar dois debates públicos com o reitor e representantes docente e discente, com temáticas de interesse público e garantir o aumento da Bolsa de Permanência. No Centro Olímpico os estudantes de Educação Física continuam realizando o programa de atividades físicas para diabéticos. O Hospital Universitário não parou.
Tudo bem criticar as greves, mas devemos antes analisar os porquês da não eficiência das mesmas. E não vale usar o simples argumento de que greve só funciona no setor produtivo privado: Outro dia o Louvre parou, todo o Louvre parou, e as reivindicações dos funcionários foram atendidas em duas horas.
¹ O Movimento Antigreve nas Universidades Públicas, por Marcos Barreto.
1. como ano sim, ano não tem greve, fica fácil atribuir qualquer política ou ação governamental para o ensino superior como sendo conseqüência das greves... e assim, o mito se reforça.
2. não concebo transferir a responsabilidade dos que decretam/apoiam greves aos que não a decretam/apoiam.
3. insensíveis são os professores que querem continuar dando aula, ou aqueles que param, por motivos alheios à comunidade universitária?
4. o exemplo do Louvre corrobora meu ponto de vista. Apenas corrijo, eliminando o "setor privado". No setor público, funciona ali onde impera a lógica capitalista. Esse é o caso do Louvre. Ao interromperem duas horas de trabalho, calcule quanto isso implica no que diz respeito às entradas que deixam de ser pagas pelos milhares de visitantes diários que o museu recebe. Dói no bolço.
jorge, muito bom o seu comentário no cmi! concordo integralmente.
Não estou transferindo a responsabilidade dos grevistas para os não-ousados, afinal, ao se absterem da decisão os não-ousados acabam apoiando os grevistas... tudo farinha do mesmo saco.
kollontai, meu problema com esse seu raciocínio é que ele é perigoso. Seguindo essa lógica, a pobreza seria culpa dos pobres, que não fazem nada, e não dos ricos, que apenas defendem seus interesses... o racismo seria culpa dos negros, e não dos brancos que os descriminam, pois estariam apenas defendendo seus interesses... as pessoas têm que assumir as responsabilidades de seus atos, como aliás Jorge bem explica - o sindicato deveria ter consciência do seu peso político.
E enquanto os grevistas se ocupam em grevear, os professores que querem ensinar, pesquisar, trabalhar enfim, e assim fortalecer a universidade, não podem ser considerados como farinha do mesmo saco, porque não o são.
E não confunda o que eu disse. Refiro-me nesse texto especificamente sobre a greve das Federais, e não greve em geral. E como estamos numa democracia - com seus ônus e bônus (e essa greve é certamente um ônus) - quem quiser tem o direito de fazer greve. Não questiono isso. Assim como quem quiser pode pular do 15o andar do CFCH. O que é lasca é ao fazê-lo, levar consigo outros que não queiram jogar-se CFCH abaixo.
É uma questão complicada, esta. A política mais decadente e ultrapassada é a dos currais eleitorais.
O que tende a acontecer nas universidades é a partidarização das discussões. Desde a política estudantil, onde, por meio da juventude partidos tomam posse de um determinado curral eleitoral; à política sindical, onde companheiros sindicalistas partidarizam uma questão de classe. Do lado estudantil e do lado sindical, há falhas grandes que misturam interesses.
É bom ver que em determinados casos, como na UnB, estudantes são mobilizados o bastante para usar o período de greve de modo que a formação estudantil não fique comprometida. No entanto, esta não é a regra. A juventude brasileira não é mobilizada, tanto que desde o Movimento Caras Pintadas não tivemos nenhuma mobilização de médio-grande porte... motivos há; não há força.
Professores que apóiam a greve sob qualquer circunstância são, no mínimo, irresponsáveis... as greves são, sim, legítimas. Quase sempre. No caso das Universidades, o que me chama atenção é que as greves acontecem sempre! Sempre o mesmo modelo de reivindicação...sempre ineficaz, haja vista sua repetição quase que anual.
Vejo nesta greve um interesse obscuro... um interesse que nos faz desconfiar desta classe sindical que organiza esses movimentos. Eu acho que a classe acadêmica merece mais respeito, sim; mas não creio que têm sido felizes com suas reivindicações. E de quem é a culpa?? Dos estudantes, que não fazem coro junto a seus professores? Dos professores que ficam em casa e deixam de apoiar seus colegas na luta por dignidade? Ou dos sindicalistas, que tendem a ter interesses partidários por trás de seus movimentos?
Eu, particularmente, sinto que uma coisa desestimula a outra... e o desestímulo, para mim, começa nos organizadores dessas greves, que não conseguem agregar outros agentes a suas lutas.
Concordo com Diogo. A questão precisa ser muito mais relativisada do que simplesmente colocar a culpa nos grevistas (e isso não significa que eu esteja de acordo com eles), sem analisar os outros grupos.
E Bernardo, quanto ao exemplo "se não a pobreza seria culpa dos pobres, o racismo culpa dos negros" eu acho que você concorda que é bem exagerado comparar isso com os professores, né? Afinal, nós sabemos que os doutores de pijama tem capacidade de analisar a situação e tomar uma atitude responsável. Estou perguntando só pra ter certeza da tua opinião, fiquei um pouco na dúvida.
Diogo,
Infelizmente na UnB a mobilização d@s estudantes durante a greve também não é regra. Os exemplos que dei foram para mostrar que, apesar da conjuntura muito desestimulante, apesar d@s professores/as ou serem grevistas ou serem não-ousad@s, alguns/mas alun@s tentam tornar o tempo da greve em tempo útil, por simplesmente entenderem que é irresponsabilidade ficar em casa reclamando da greve e não fazer nada. Mas não é regra não e exige muita força de vontade.
Ah, é só lembrando que: Quando eu critico os não ousados, não é por eles não apoiarem os grevistas, é por eles não fazerem nada. Teria sido ótimo se eles tivessem ido à assembléia votar contra a greve ou sugerir novas alternativas de luta.
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