domingo, 28 de junho de 2009

Relatos de Brasília - 7

Vou postar aqui, pra deixar registrado, os relatos dos meus primeiros meses em Brasília, enviados por e-mail para amigos e familiares antes da existência desse blogue.

Eu odeio perdigotos.

Tue Mar 29, 2005 8:20 am

nunca mais tinha mandado notícias, então aí vai um monte de megabites.

abraços-
BJ


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analogias

Eu adoro analogias. Ajuda muito a entender melhor as coisas, ao trazer
idéias abstratas para um campo mais próximo da nossa realidade.
Pra vocês entenderem melhor como estou me sentindo, com a próximidade
das provas das primeira e segunda etapas, vou usar uma analogia. Me
sinto como um candidato em vésperas do primeiro turno das eleições e
muita gente acha que ele pode passar pro segundo turno (ou seja, no meu
caso, na terceira fase do concurso), mas isso depende que não cometa
nenhum deslize perante os eleitores (ou seja, que eu faça boas provas)
para que tenha uma boa votação (boas notas).

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Eu odeio perdigotos.

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Rede Bobo

Na quinta-feira passada dei uma entrevista para a Globo. O tema era o
concurso do Rio Branco. O que me dá mais medo é o quão ridículo eles me
farão parecer. Bom, se bem que ser entrevistado para matérias temáticas
cujo objeto não é você, entrevistado, é algo necessariamente ridículo.
Porque você é um instrumento através do qual o jornalista vai passar o
seu (o dele!) ponto-de-vista. Você pode falar o que quiser -- mas você
vai dizer o que o cara quiser. Edição faz milagres (tem um episódio dos
Simpsons jóia sobre isso).
Mas eu topei. O filho do dono do curso estava agoniado, ninguém queria
ser entrevistado. Frescura da porra. Eu disse a ele, "olha, se ninguém
quiser ir, eu não me incomodo". Ninguém quis. Ora, tem alguém querendo
ouvir, gravar, transmitir a MINHA opinião sobre um assunto...! Ôxe, eu
não me incomodo, não... A gente vive atrás disso na vida - querendo ser
ouvido. hahaha. E ainda por cima é Renato Machado quem vai fazer a
chamada para a matéria! Se bem que eu preferia que fosse a Cláudia
Bomtempo... E eu entendo alguma coisa o assunto; essencialmente repeti
os argumentos que utilizei naquele texto que repassei pra vocês -- não
sei se era isso que ele queria ou esperava ouvir.
Nessa coisa de entrevista, me lembro da Escola Recanto, em 1986.
Primeiras eleições democráticas pra Governador ("o povo quer / aquele
que fez mais / Arraes, Arraes, Arraes / 86 só vai dar Arraes"). Teve
eleições entre os alunos e eu era candidato a Senador, eu acho. Ia ser
entrevistado por aquela morena do NE/TV, Mônica Silveira. Aquele monte
de gente, pirralhas sobretudo, mas mais velhos do que eu na época, ao
meu redor. Câmara na frente, microfone apontado na minha direção. Ela
pergunta: "Vai votar em quem?". Pensei um pouco e respondi,
taxativo: "Arraes". Risada geral, inclusive da repórter. Eu não saí na
TV. Não disse o que ela queria ouvir. Foi minha primeira experiência
com o jornalismo. Pedagógico.
O repórter me disse que a matéria sairia no dia seguinta, na sexta-
feira. Acordei com uma ansiedade danada.... que leseira. Já eram 7:55
e "minha" matéria não tinha saído ainda. Fiquei pensando em Vovô, que
devia estar puto, na frente da TV desde as 7h, pronto pra apertar o
Rec. Ia passar o último bloco, última chance...
Não saiu na sexta. Meu estrelato foi adiado. Provavelmente para a
próxima semana. Ou então desistiram da matéria. Eu mesmo acho o assunto
requentado. Aprendi que esse tipo de matéria se chama "matéria fria".
Na quinta-feira a mãe de um jogador tinha sido liberada do seqüestro.
Mais "quente" e talvez por isso minha matéria voou. Deve ficar pra
preencher uma eventual falta de notícias durante essa semana.

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"Rebelem-se seus vermes"
(pixado num muro do DF)

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Páscoa

Ontem foi Páscoa. Fui almoçar na casa de uma amiga de uma tia minha.
Foi legal. Tinha lá uma americana eleitora de Bush (eu conheci uma,
existe mesmo!!!!). É surreal conversar com um representante dessa
espécime. A comida, preparada pelo ex-Chef do Chez Georges, Romero, foi
espetacular, indescritível em palavras. O filho da dona da casa
(Ingrid) é assessor de Cadoca na Câmara. Mais uma dose de Johnny e eu
contava sobre os muros pixados! hahaha. A noite terminou com a gente
morrendo de rir com "Pânico na TV!". "Silvío Santos" e Repórter Vesgo
prestam um grande serviço ao jornalismo brasileiro. Quem não os
conhece, não perca: domingo, às 18:30, na Rede TV! (é muito melhor do
que Faustão, eu garanto).

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"LisoTur - big surprises"

marca e slogan sugestivos de uma companhia de ônibus paraguaia ou
uruguaia de turismo, que eu vi estacionado na frente de um hotel aqui.

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Herói

Ao sair do filme "Herói", após a recuperação da embriaguez estética
proporcionada pela beleza da fotografia, a primeira pergunta que vem à
mente é: ok, é lindo, mas quem é mesmo o herói?
Nossa ignorância em relação à história e cultura oriental vai ter que
acabar. Por muito tempo, modernidade e, mais recentemente, globalização
eram tidos como fenômenos necessariamente ocidentais. Com a emergência
da Índia e da China como potências econômicas, certamente cada vez mais
estaremos expostos à produção cultural vinda de lá. Essa nova situação
trará à tona do cenário mundial, hoje predominantemente ocidental,
valores orientais.
Esse filme é sem dúvida um prelúdio de algo que se tornará bastante
normal num futuro próximo. Cada vez mais nos defrontaremos com esse
tipo de ambigüidade ou divergência moral -- como se diz "get used to
it" em mandarim?
Uma dica. A história do filme é bastante simples. Às vezes vale à pena
deixar de ler as legendas e contemplar a fotografia do filme. Talvez
você faça isso naturalmente sem nem perceber. Não vai perder muito do
filme se fizer isso, ao contrário.

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"O mito é o nada que é tudo"
(F. Pessoa)

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merda gramaticalmente correta

Na última aula do professor de gramática, ele concluiu agradecendo,
todo aquele blá blá blá típico. E no final, ele disse que torcia para
que todos ali presentes passassem no concurso.
Diante das 32 vagas oferecidas, os bem mais de 50 estudantes se
estourarem de rir com tamanha forçação de barra.
Ele se deu conta da besteira que falou, e deu um sorriso amarelo...

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a Humanidade

No programa do Ratinho, semana passada: em que ano foi proclamada a
Independência do Brasil?
As respostas dadas pelas participantes: 1931, 1950 e 1750.
A última ganhou R$ 1,000 porque chegou mais perto.
E eu fiquei me perguntando o que a platéia estava aplaudindo.
Isso quase abala o meu otimismo na Humanidade. Quase.

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De esquerda

Estou de saco cheio de ouvir dizer que "o PT não é mais o mesmo" ou que
o governo Lula não é "de esquerda". Não tem nada mais babaca e inócuo
do que críticas dessa natureza.

Que o PT "não é mais o mesmo" me parece óbvio. Primeiro, ele mudou de
posição no jogo político, e de oposição passou a ser situação. Seria de
surpreender , portanto, se ele permanecesse igual a antes. Aliás, muito
dos erros na condução política do PT-Federal, a meu ver, se devem ao
fato de que alguns quadros do PT ainda não se deram conta disso (muito
dos erros se devem a burrice e/ou inexperiência de ser governo,
mesmo... viva a alternância).
O PSDB e o PFL também cometem erros no papel de oposição. Normal. Estão
todos aprendendo.
Além disso, o PT completa 25 anos e seria estranho, anacrônico, se
continuassem com posições iguais às daquele tempo. O PSTU e o PSOL
preencheram essa lacuna política, representando essas posições
retrógradas, tanto que optaram pela dissidência (mais fácil que a
tentativa de construção), e têm a representatividade que merecem. O
mais curioso é ver adversários de longa data cobrando "coerência" do
PT... Como assim? Mas era supostamente dessas idéias que eles
discordavam! É sintomático ver Heloísa Helena, ACM e Artur Virgílio
juntos contra o PT.
Em relação ao segundo ponto, muita coisa me irrita. Geralmente as
pessoas que fazem essa crítica se referem unicamente à gestão macro-
econômica. Essa é justamente a área mais díficil de mudar rapidamente e
de forma segura. Qualquer decisão abrupta poderia ter efeitos
catastróficos e quem mais sofreria, como sempre na História, seriam os
mais pobres (não por acaso é nas classes populares que Lula tem mais
apoio). Noves fora os números positivos nessa esfera, me parece um
tanto limitado se restringir o "ser de esquerda" meramente à questão
econômica. Existem políticas públicas extremamente progressistas sendo
adotadas em outras áreas. O Ministério das Cidades é
algo totalmente novo -- pela primeira vez temos políticas públicas
para as cidades sendo formuladas a nível federal, para racionalizar os
investimentos públicos. A política ambiental do governo está sendo
transversalizada, em detrimento das tradicionais e medíocres políticas
verticais (fato reconhecido até pela oposicionista revista "Primeira
Leitura"). Na Sáude, questões polêmcias têm sido corajosamente
abordadas, contrariando fortes interesses conservadores:
descriminalização do aborto, instituicionalização de narcossalas,
liberalização e financianmento de pesquisas com células-tronco. Há uma
revolução silenciosa de "bancarização" do povo, processo inédito e
importante de inclusão social. Órgãos do governo devem passar a adotar
o software livre em todas as esferas, inclusive nos computadores
subsidiados a serem vendidos para famílias de baixa renda -- o que
coloca o Brasil na vanguarda virtual do mundo com essa política de
inclusão digital. Temos políticas afirmativas na Educação (que é o que
se pode fazer no curto prazo), enfrentando setores reacionários; a
Reforma Universitária está sendo discutida em público; e vem aí um
fundo para o ensino fundamental - é pouco, mas ainda estamos na metade
do mandato. Na Cultura, a grande mudança seria a Lei do Áudio-Visual
(Ancinav), que iria democratizar e descentralizar a distribuição dos
incentivos fiscais (até hoje a iniciativa privada decide como aplicar o
dinheiro público através das leis de incentivo -- uma aberração); o
projeto teve que ser postergado por conta da forte mobilização dos
interesses arraigados que se beneficiam do status-quo -- Rede Globo à
frente, Arnaldo Jabor de bedéu. Há um grande envolvimento da sociedade
civil organizada em várias esferas do governo, e muitas ações adotadas
pelo governo vêm do envolvimento direto de movimentos sociais.
Mas tem algo ainda mais fundamental. Dois anos é muito pouco tempo. Em
termos históricos, é um nada, é uma vírgula, no máximo uma nota de roda-
pé. Qualquer análise taxativa sobre esse governo agora é, no mínimo,
precipitada (no máximo, é má-fé). Tem um ex-professor universitário e
atualmente consultor da União Européia, Roger, muito amigo dos meus
pais. Ele está trabalhando aqui em parceira da UE com o Ministério de
Planejamento. Conversamos, entre outras coisas, sobre isso. Ele conta
que o que ele mais diz aos colegas dele no Ministério é: "calma, calma,
calma". Lembrando a experiência francesa com Mitterrand, ele destaca
que para se julgar o Gov. Lula, só após os oito anos de seu governo. O
Lula, o PT, o Brasil merecem e precisam desse tempo de crédito.
Finalmente, aos que criticam as alianças, só posso dizer que há, nessa
crítica, um viés autoritário, anti-democrático. Foi uma escolha do
povo, através das eleições livres, que Lula governe com as forças
políticas que estão representadas no Congresso Nacional. para o bem ou
para o mal, o Governo tem que negociais e compôr. Natural. Desejável.
Democrático. Claro, há limites. Se Ciro Nogueira entrasse na Esplanada,
eu vomitaria. Mas até agora as composições estão dentro dos limites do
aceitável. Uma das qualidades desse Governo é internalizar conflitos,
colocar no seu seio setores conflitantes (Marina e Rossetto X
Rodrigues, Furlan X sindicalistas, por exemplo). E tem saído coisas
interessantes desses atritos. Como a lei dos Transgênicos.
De mais a mais, o Governo tem aprendido com o seus erros,
aparentemente. E como já disse o Zé Dirceu: "a paciência é
revolucionária". E olhe que ele tem autoridade para dizer isso!!!
Parafraseando um famoso slogan pacifista: "Give Lula a chance" !

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Um comentário:

Jampa disse...

Bj, seu primeiro texto do post 7 é engraçado de ler... são preocupações típicas de um entrevistado pré-blogue-da-petrobras!! Abração! Depois leio o resto, aos poucos.