1a Manifestação
A maior importância das enquêtes, como mencionado anteriormente, é fazer com que pessoas tentem discutir o centro do problema em discussão. É algo muito mais além do que uma questão de posições. Para abrir, então, esta etapa de discussão sobre o tema de cotas, coloco abaixo um texto que reflete a posição desta pessoa. A idéia é que continuemos a abordar este tema sem fugir da idéia de que o principal é o problema que as cotas visam a combater. Para início dos debates, segue abaixo a primeira manifestação... e que venham as contestações e comentários.
COTAS, PRA QUE?
Bruno César Maciel Braga[1]
Permanece intensa a discussão sobre a plausibilidade e mesmo a legalidade da concessão de cotas para o ingresso de pessoas negras em instituições de ensino superior. A Universidade Estadual do Rio de Janeiro – UERJ e a Universidade de Brasília – UnB foram as primeiras instituições estadual e federal, respectivamente, a adotarem tal sistema. A primeira em 2001. A segunda em 2004.
Bruno César Maciel Braga[1]
Permanece intensa a discussão sobre a plausibilidade e mesmo a legalidade da concessão de cotas para o ingresso de pessoas negras em instituições de ensino superior. A Universidade Estadual do Rio de Janeiro – UERJ e a Universidade de Brasília – UnB foram as primeiras instituições estadual e federal, respectivamente, a adotarem tal sistema. A primeira em 2001. A segunda em 2004.
Inicialmente, é de se perguntar o que seria ser da raça negra, pois a grande maioria de nossos cidadãos tem descendência, mesmo que longínqua, de negros. Somos um povo de rica miscigenação. Temos uma pluralidade étnica impressionante, o que torna até dúbia a designação, em certos casos, de uma pessoa ser ou não negra. De qualquer forma, fica claro que dentre as mazelas sociais inseridas no seio da vida moderna brasileira, o preconceito, notadamente o racial, ainda possui ranços bastante perceptíveis. Mesmo assim, não enxergamos resposta para uma pergunta que costuma nos perturbar: Cotas, pra que?
O fato de ainda persistir uma nódoa racista na nossa sociedade, natural de seres pouco privilegiados mentalmente, não parece autorizar a transferência de vagas de brancos para negros. Em outras palavras, a cor necessariamente não representa possuir ou não meios de acesso à informação, boa educação e adequada formação, o que deveria ser, exatamente, a essência da “facilitação” do acesso ao ensino universitário. Isto porque, se o negro for pobre e vir de escola pública, encaixar-se-ia nas cotas específicas para as pessoas que tiveram ensino público. Se for rico, provavelmente estudou em instituições particulares e teve todas as condições de uma boa aprendizagem e, por conseqüência, não existiria o porquê de ser beneficiado. Ressalte-se que o processo seletivo de ingresso nas universidades é permeado por critérios objetivos, e não subjetivos.
Na verdade, na nossa percepção, o sistema de cotas é um retrocesso. Fere o principio da igualdade, garantido constitucionalmente. O notável jurista Ives Gandra Martins compartilha deste mesmo raciocínio, defendendo, por esta razão, a inconstitucionalidade do sistema de cotas. Para ele, a política afirmativa não deveria ser realizada em nível superior, e sim na educação de base. Exatamente este o ponto cerne da questão. Um problema estrutural não está sendo atacado em sua nascente. Estão querendo remedir suas conseqüências. Aí reside o grande equívoco.
De qualquer maneira, poder-se-ia antever alguma aceitabilidade nas cotas ligadas aos estudantes do ensino público, na medida em que estas representam de certo modo um paliativo, um contra-balanceamento à má educação dispensada aos alunos. Não um fim em si mesmas, mas uma forma do Estado (percebam a própria assunção do Estado pela inoperância da educação pública) remediar um aprendizado inadequado, concedendo maior espaço àqueles nas bancas universitárias.
Entretanto, no que diz respeito à exceção pela cor, entendemos que tal forma de excepcionar deveria ser expurgada pelo próprio negro, na medida em que representa um auto-preconceito, uma forma de se manter essa distinção, esse apartheid por gerações vindouras. Que o espaço do negro seja conquistado dia após dia, como o foi historicamente. A cor não representa absolutamente nada do ponto de vista do caráter, da ética, da cidadania, da capacidade e do saber. Que as cotas não sejam vistas como um ganho social, um benefício aceito de forma cômoda, mas que o fim delas possa ser a bandeira do negro, na medida em que as cotas apenas separam, desagregam, excepciona pelo conhecimento, critério este que não tem cor. Sejamos inteligentes o suficiente para percebemos as diferenças, mas sejamos ainda mais sábios para não aumentá-las.
[1] Advogado Coordenador da Siqueira Castro Advogados em João Pessoa/PB.
15 comentários:
Bruno, bom texto, mas eu sinto o seguinte... a escravidão no Brasil foi recordista em números e foi das últimas a serem abolidas. Isso, faz pouco mais de 100 anos. A abolição aconteceu e os negros não ficaram menos escravos, pois não lhes foi dado terras para produção, casa, enfim, eles foram abandonados. Estão livres, agora fodam-se em suas liberdades. Jamais houve uma tentativa de integrá-los à sociedade.
O sistema de cotas sozinho, de fato não combate o cerne do problema. Ele é um meio imediato de reduzir injustiças, de buscar uma integração maior entre as pessoas. Os negros que hoje ingressam numa universidade são exceções... a regra mal pode sonhar com isso.
Vejo as cotas como um passo no caminho da democratização do ensino. De fato, ela não é a solução, principalmente se tomada como uma ação isolada. A proposta, claro, deve ser discutida, os critérios bem definidos e as regras determinadas de modo a ajudar aqueles que realmente têm sido historicamente exlcuídos de um ensino superior/básico/fundamental de qualidade.
Repito: as cotas não serão uma medida isolada; ela desenvolverá outras políticas (na base) e integrará melhor a sociedade brasileira com as raças que a compõe.
Cotas, então, para democratizar o acesso ao ensino a pessoas menos privilegiadas.
é isso aí Diogo!
"a cor necessariamente não representa possuir ou não meios de acesso à informação, boa educação e adequada formação" .... é mesmo??? Olha a foto de formatura da tua turma de Direito. Recorde os seus colegas de classe no primário. Olha em volta na sala de cinema da Fundaj, ou no multiplex do Shopping Recife. Olha os consumidores na Livraria Cultura. Olha os alunos da ABA, Aliança Francesa, Cultura Inglesa e afins. Contarás nos dedos das mãos a quantidade de negros - e não vale contar o vendedor de pipocas, o lanterninha, o vigia nem o faxineiro!
O problema-base dos que contestam as medidas compensatórias é o cinismo, como muito bem expressou Jorge no comentário abaixo.
Prezados colegas,
De fato relutei em me aventurar em escrever algo aqui, mas diante dos comentários decidi criar coragem e ratificar as nossas conversas Diogo quanto ao COMO se discutir.
O autor do texto não precisa olhar ao redor para observar o problema racial, creio que o mesmo o vivencia de forma muito intensa, achei interessante quando falou da questão racial porque o conheço bem e sei sua história de vida e a cor de sua pele, às vezes temos que tomar cuidado com nossas palavras porque com certeza ele não vai contar apenas o vendedor de pipocas, o vigia e nem o faxineiro ele também vai se incluir, às vezes nossos comentários já são dotados, arraigados de um próprio preconceito inerente de nossa sociedade. Sou totalmente contra o sistema de cotas, mas gostei MUITO do texto de Bruno, principalmente da visão dele quanto ao problema racial, ele é um vencedor, ele sabe de onde veio e posso te garantir vive melhor que todos nós juntos, o que não é nada, é uma pessoa de muito valor, humilde, batalhadora,honesta, amiga, companheira, teve uma família que veio do NADA e merece estar onde está agora. Apesar de a escravidão como Diogo menciona acima ter sido exatamente assim, pois também acredito que a história de Bruno é uma exceção, mas é uma prova de que se é possível. Mas apenas foi o que comentei com vc Diogo anteriormente a MANEIRA como se debate, imagina Bruno lendo o comentário de Bernardo, acho que ele ficará meio chocado. Acho que Bernardo NUNCA poderia sequer imaginar que nosso autor se trata de uma pessoa de origem negra um pouco mais que nós. Creio que Bruno não se trata de uma pessoa cínica, acredito sim que o cinismo de muitos é um problema, mas não acredito que o texto tenha sequer qualquer nuance de cinismo, posso garantir que não são apenas palavras. Desculpem se me excedi ou se falei algo sem conexão, espero que não seja julgada.
AH !!!
Também não acredito q eu seja cínica porque constesto as medidas compensatórias, acho que não se trata de cinismo, ainda bem que ainda temos a liberdade de expressão e PRINCIPALMENTE de pensamento, ñ julguem para no futuro ñ serem julgados.
Eu acho que ninguém deve prender-se a adjetivos soltos por outra pessoa, nem ficar doído por eles. Trenho certeza que como bom advogado, Bruno saberá defender suas posições sem sentir-se agredido ou ameaçado. O que não podemos fazer é se intimidar diante da exaltação de quem quer que seja e deixar de expor o que pensamos. Antes de sair para defender fulano ou cicrano, o mais importante é defender nossas posições; o que acreditamos e sentimos. A parte pessoal, num debate, nós devemos relevar. Em breve, estarei enviando um texto por email (Bruno, infelizmente não tenho seu para te encaminhar também) sobre o tema que estamos discutindo. Afinal, estamos num mês propício para esse tipo de discussão.
Realmente seria apenas uma medida imediata. Não iria sanar a questão. Mas,iniciaria um processo de democratização. Acredito que a palavra "cinismo" usada aí na discussão, de repente, se viesse acompanhada da palavra "inconsciente", teria melhor cabimento e aceitação. Evitaria adjetivar a opinião do colega Bruno, autor do texto, que certamente não tem consciência (aliás, não só ele, Erica também) que sua realidade,sua forma de "viver melhor que todos nós juntos"(como foi dito acima), representa uma minoria.
"Questão de ordem": o debate deve ter um certo nível de objetividade e estar focado em questões específicas. Se fulando de tal é ou não negro e vencedor, amarelo e perdedor,etc. não é o objeto da discussão. E se for, estou fora, porque eis um tipo de debate que vai, como dizem os franceses, "du pareille au mëme!" ... Por enquanto não vou comentar o texto, até que minha questão de ordem seja acatada ou rejeitada. Abraço a todos.
acatadíssima Jampa! Finalmente alguma lucidez.
como dito anteriormente, não acredito na eficácia de um debate cujo foco é a pessoa que está se manifestando. concordo com a questão de ordem. o tema em discussão é: cotas para negros; você é contra ou a favor? por quê? e que o debate se desenvolva sempre em torno desse ponto, sem personalizações.
Meu texto saiu com alguns errinhos de português, mas não sei como corrigi-los...
vou sofisticar mais o que disse lá em cima: a proporção de negros com acesso a capital cultural é bastante inferior à proporção de negros na sociedade brasileira. ou seja, impossível separar a "questão racial" da "questão social", ou dizer que "a cor da pele não tem nada a ver". Tem. E o que eu quis deixar claro lá em cima é: essa conclusão é empírica. Um dado interessante: 87% das crianças fora da escola são negras. Como disse um pesquisador do IPEA uma vez: a pobreza no Brasil tem cor, e ela é negra.
Eu ia comentar o texto de Bruno, mas o commentário de Erica dá pano para algumas mangas. Ele trata de uma questão que julgo fundamental e por isso vou comentá-lo. De que maneira o nosso sistema de educação é responsável pela reprodução/manutenção/agravamento das desigualdades sociais de nosso país? Claro que para responder esse tipo pergunta precisaria estar munido de algum estudo minucioso da estrutura dos nossos estabelecimentos de ensino, coisa que penso ser inexistente. Porém se me atenho a descrição de Erica fica patente que o próprio sistema de educação, com seu modus operandi próprio de seleção meritocrático, seleciona socialmente, não apenas na universidade, quem deve ou não continuar na batalha por posições sociais mais bem reconhecidas "como as dos médico e advogados". Que tipo de arbtrário cultural é esse que estabelece como cultura legítima (e por isso dominante) a cultura dos dominantes? Os termos utilizados por Erica são precisos: dificuldade e facilidade. Os porquês da facilidade e dificuldades também são evidenciados: disparidades no apredizado de base. Isso sem falar nas disparidades de base antes do ensino. E é nesse ponto que eu queria problematizar a questão. Pois é aqui que julgo mais duro o abtrario cultural entendido como a imposição de uma cultura arbtrária, como é a cultura escolar, como cultura oficial, quando sabemos existir afinidades entre a cultura dos dominantes e a cultura escolar(tida como legítima). Nada mais irônico do que ter de lutar contra si mesmo antes de lutar contra as instituições que servem de marcadores sociais das 'capacidades' e 'incapacidades' individuais. As cotas seriam uma forma paliativa de "gerenciar" um mal estrutural produzido pela configuração social mesma, funcionando bem em sociedades que aceitam de maneira pragmática as diferenças de status sociais de maneira mais naturalizada. Nunca sei bem me posicionar a esse respeito falando do caso brasileiro(ou dos casos brasileiros) porque penso ser dificil o estabelicimento de categorias pertinentes de cotas (falaremos de cotas raciais, sociais, biológicas, etc.?)por causa do nível de indefinição do problema. Não creio que tenhamos diagnosticos precisos das causas profundas de nossso descaso com a reprodução das desigualdades no Brasil.Achei o texto de Bruno pertinente do ponto de vista da busca da conciliação entre viabilidade jurídica e necessidade social das cotas. Um ponto de vista universalista que talvez apague o fato de que a cor pode não determinar o carater de uma pessoa, mas que a degradação social pode. E históricamente essa degradação foi feita de maneira massiva contra pessoas de pele negra ( nossa nódua social, dizia Nabuco, durante muito tempo será oriunda ainda dos efeitos duradouros da escravidão). A tensão existe entre o pragmatismo situacionista e paliativo das cotas e o ideal republicando e universalista da igualdade de condições. Pessoalmente sou contra a política de cotas, mas acho que talvez, se for realmente lida como um esforço mínimo, as cotas podém ser aceitáveis.
Os comentários inócuos, que não abordam o tema em questão serão excluídos. Não concordo com o desvirtuamento das discussões. À partir de agora, farei isso em pró do debate focado no problema, e não em posições/opiniões pontuais de um ou outro companheiro visando a agredir ou desqualificar a discussão.
diogo, acertada a decisão, que tem caráter pedagógico importante.
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