segunda-feira, 28 de dezembro de 2009

Sete meses

A BBC – British Broadcasting, é a rede de TV e rádio pública da Inglaterra. Trata-se de um dos órgãos de imprensa mais tradicionais e respeitados, no país e no mundo. De uns anos pra cá, tem posto em prática uma política de valorização dos sotaques das diferentes regiões do Reino Unido. Até há pouco, o sotaque londrino era o oficial – assim como a Globo instituiu o “carioquês” como a língua oficial do Brasil: qualquer vestígio de regionalismo deveria ser prontamente eliminado. Hoje, na BBC, ouve-se o inglês escocês, galês, irlandês, inglês do norte, inglês do sudeste... Acabou-se a imposição de “dialeto oficial”. Muito bom em termos de multiculturalismo e tal. Mas uma dificuldade a mais para se habituar ao sotaque britânico, que na verdade são múltiplos.


Para financiar a BBC e torná-la independente dos governos de plantão – trata-se de uma emissora pública, não estatal – a fonte de recursos provem de uma anuidade paga por todos os donos de TVs do Reino Unido. Os cegos pagam só a metade. Ainda não sei se o mesmo desconto se aplica aos surdos. Os mudos não têm do que reclamar: nem poderiam.


**


Existe uma tradição na Inglaterra que é a de ex-alunos fazerem doações às faculdades em que se formaram. É uma mescla de reconhecimento e gratidão altruístico à instituição acadêmica que os preparou, exibicionismo (“veja como sou bem sucedido e posso fazer essa doação”), e um nada desinterassado intuito de fortalecer a marca da universidade que, afinal de contas, consta do seu currículo. Um desses presentes de ex-alunos transformou-se num mascote não oficial da LSE: um pengüim de um metro. O mimo destronou o “beaver”, o mascote oficial. Talvez num sinal claro da ironia britânica (pode-se atribuir qualquer esquisitice dos ingleses a isso, afinal de contas!), muito melhor o símbolo-mor da breguice (ou, mais adequado dizer, do kitsche) do que o mais convencional e careta beaver. Há uns anos atrás, uns alunos da LSE, após excesso de “pints”, vandalizaram o campus da principal universidade rival – a King’s College. Em represália, estudantes do KC arrancaram e fizeram sumir o estimado pengüim da LSE! As inúmeras câmeras de segurança espalhadas pela cidade – a Inglaterra é o país com o maior número de câmeras de segurança per capita – foram incapazes de desvendar o mistério. Até hoje não se sabe que fim levou a pobre estátua da ave polar. Recentemente, outro pingüim foi adquirido e recolocado no seu devido lugar, dessa vez preso a uma base de concreto reforçada. A volta do mascote trouxe alegria aos estudantes.


**


Estou muito orgulhoso do meu sistema imunológico. Desde que cheguei a Londres que não me gripei. Já entro na terceira estação totalmente são. Desde o outono que diversas vezes o silêncio da biblioteca é interrompido pela sinfonia de tosses, espirros, pigarros e outros sons corporais indicativos de saúde precária. Não sei se são os anitcorpos tropicais ou o fato de quase não usar o metrô lotado, ou por pedalar diariamente... o fato é que meu organismo tem reagido bravamente às transições climáticas. E isso porque até recentemente estava despreparado para o inverno londrino, com minhas roupas de frio de há mais de dez anos. Recentemente fui às compras e me equipei. Agora, sim, estou pronto a aguentar o frio. E realizar aquela frase de um amigo inglês, que disse que não existe mau tempo, mas sim roupa inadequada. E sistema imunológica deficiente, acrescento eu!


**


Existe na univerisade clube para todos os temas, imagináveis e inimagináveis e até da categoria “que porra é isso?!” (WTF). Outro dia falarei disso. Um dos clubes – que aqui eles chamam de “society” – que faço parte é a “Rowing Society” (clube de remo). Toda a gestão, financeira e organizacional, de cada clube é realizada pelos próprios estudantes. Todo sábado pegamos um trem na Waterloo Station, uma das maiores, e vamos beirando o Tâmisa em direção oeste, até Chiswik, para o local onde os barcos das universidades de Londres ficam guardados. Remamos durante em torno de uma hora. Diferente de quando remava em Brasília, onde um funcionário fazia todo o trabalho “chato” de consertar o barco, lavá-lo, colocá-lo dentro d’água e retirá-lo depois, toda a responsabilidade de manutenção dos barcos cabe a nós, estudantes. Tampouco contatva eu com orientação técnica. Então, embora tenha três anos de experiência de remo (entre o rio Capibaribe e o Lago Paranoá), só agora, no Rio Tâmisa, venho recebendo instruções adequadas. Durante a semana, realizamos treinos “em terra”, no ginásio da universidade. Remar no Tâmisa é incrível. A paisagem é linda, com casas vitorianas e outras mais recentes, do século 20, à margem do rio. Também tem parques à beira do rio, como o Kew Gardens, um dos maiores da cidade. Tem uma linha de metrô e trem urbano que atravessa o rio bem acima da gente e, enquanto remamos, vez por outra é comum vermos os vagões passando sobre nossas cabeças. Ao nosso lado, sempre há um sem-número de patos e gaivotas; e recentemente as comportas de um canal foram abertas especialmente para que um casal de gansos pudessem adentrar no rio, pomposamente, como se estivessem a desfilar. O rio é amplamente utilizado, e não só pelas aves. Tem vários barcos-residências, daqueles tão comuns em Amsterdã. Também barcos maiores, de passeios turísticos. E barcos de remo e caiaques, para o uso esportivo. Os usuários têm várias idades. Na primeira ocasião que remei no Tâmisa, no barco individual, fui ultrapassado por uns três coroas, com barbas e cabelos totalmente alvos. Me deixaram pra trás com facilidade. O vento, mais gelado a cada novo sábado, só incomoda na hora de pôr o barco no rio, com os pés descalços a congelar dentro d’água. Depois de cinco minutos de remada, esquece-se do frio. Que só voltará a incomodar novamente na hora de retirar o barco d’água, quando novamente temos que pôr os pés nus dentro d’água

.

**


Todos os dias a LSE oferece uma quantidade imensa de palestras. São convidados das mais diversas áreas de atuação, ligados a temas das ciências sociais (economia, política, políticas públicas, etc). E geralmente são convidados respeitados em suas devidas áreas de atuação. Integrantes de governos, empresários, acadêmicos, jornalistas, oriundos das mais diversas partes do planeta. Para se ter uma ideia, alguns nomes previstos para janeiro de 2010: o ministro da fazenda da Suécia, Anders Borg; o economista indiano e nobel de economia, professor Amartya Sen; e um ex-ministro inglês, James Purnell. Até agora só fui a um evento: a palestra do presidente Rafael Correa, do Equador. Seu discurso foi muito interessante e me fez olhá-lo com outros olhos. Equivocadamente, e repetindo o cacoete dos grandes meios de comunicação mundiais, tendia a colocá-lo no mesmo balaio de gato chavista. Sua crítica ao neoliberalismo é bem embasada, o que não deveria causar estranhamento, pois ele pós-graduou-se nos Estados Unidos, e teria sido mais controversa um ano e meio atrás; hoje suas críticas são quase consensuais. O aspecto mais importante de sua crítica é a de que um programa eivado de ideologia tivesse a pretensão de ser aplicado em todas as partes do mundo e resolver todos os problemas, da Tailândia ao Equador, da Rússia à Argentina. Uma panacéia que poderia ser aplicada em todas as partes, a despeito de especificidades históricas e culturais.Também reclamou da ideia de que o mercado resolve tudo. Contou uma história engraçada para ilustrar esse ponto. Uma mulher está perdida no deserto, a ponto de morrer de sede. Encontra um homem que tem água e está disposto a ajudá-la. Com uma condição: em troca da água, que salvará sua vida, a mulher deve transar com ele. Pela lógica da teoria econômica clássica, houve aí uma troca em que os dois agentes obtiveram os seus objetivos. A eficiência foi, portanto, máxima. Do ponto de vista moral, no entanto, é evidente o descalabro: a água deveria ter sido dada sem condições. A analogia é forte, mas muito acertada e ilustra fielmente a assimetria que tem historicamente caracterizado as relações econômicas e políticas entre os países ricos e aqueles em desenvolvimento.


As políticas empreendidas por seu governo seguem a linha da social-democracia, muito ao estilo daquelas levadas a cabo pelo governo petista. Seu ponto fraco é sua retórica “bolivariana”; Correa tenta, pelo discurso, dar uma unidade transnacional, que não é lastreada nos fatos, às políticas chavistas. Suas políticas internas são neokeynesianas, assemelhando-se mais às de Lula, na medida em que visam a incentivar a demanda agregada como meio de promover redistribuição de renda e crescimento econômico. Mas, em seu discurso, o presidente equatoriano busca associar-se a Chávez, classificando suas políticas como sendo o que ele chama de “socialismo do século 21”. Essa frase é desprovida de significado, porque o que ele faz não guarda qualquer semelhança com socialismo de século algum, nem tampouco com as políticas desastradas e desastrosas implantadas por seu colega venezuelano. Outro erro é vir falar de socialismo no continente que o experimentou no século 20 e cuja experiência não foi nada agradável.


Detalhe: todas as palestras são disponibilizadas em podcast na página da LSE: veja aqui.


**


Estou fazendo um estágio desde o começo do semestre no gabinete de uma deputada do Labour Party (o tradicional Partido Trabalhista britânico, um dos primeiros desse gênero a emergir no mundo). Aqui o voto é distrital, ou seja, cada membro do Parlamento (MP, que é como eles chamam os “deputados federais”) representa uma circunscrição específica. É como se cada bairro de Recife, por exemplo, tivesse seu próprio representante no Congresso Nacional. O sistema distrital é chamado, na literatura da Ciência Política, de “majoritário”, diferente do nosso sistema de grandes distritos (cada estado é um distrito eleitoral no Brasil), que é “proporcional” (cada coligação elege um número de representantes proporcional à quantidade de votos recebida). A vantagem do sistema majoritário é a representatividade geográfica: cada microrregião tem um representante no Parlamento. Outra vantagem é o fato de que o eleitor sabe exatamente quem é o seu representante e, portanto, sabe a quem recorrer sempre que tiver problemas a tratar ou questões a colocar. Por outro lado, há uma distorção intrínseca ao regime majoritário. Emily Thornberry, membro do Parlamento para quem trabalho, se elegeu com uma diferença de meros 400 votos! O sistema proporcional, por definição, reflete de forma mais fiel o sentimento dos eleitores.


O atual governo trabalhista, liderado por Gordon Brown, sofre por fadiga material (os trabalhistas estão no poder desde 1993!) e falta de liderança – digamos que Brown não é o político mais empolgante do mundo. As eleições, que devem ocorrer em abril ou maio, serão disputadíssima. Os “tories” (conservadores) são favoritos, embora a diferença entre eles e os trabalhistas esteja diminuindo e, na última enquete, já tenha caído abaixo dos dois dígitos. Mesmo que o Labour não consiga a maioria dos votos, é possível que permaneça no poder em função de uma potencial aliança com o terceiro partido que vem ganhando força nos últimos anos, os Liberais Democratas (LibDems). Ainda não consegui encaixá-los no espectro político, mas, pelo que entendi, eles tendem a ser ortodoxos na economia e progressistas socialmente. Ou seja, estariam à esquerda dos Tories e à direita do Labour. Mas não é tão simples: em muitas questões, estão à esquerda também do Labour: por exemplo, são contra as guerras (Iraque, Afeganistão), e a favor de política liberalizante em relação às drogas. O LibDem tende a ser mais popular entre os mais jovens. Num sistema proporcional, certamente teriam mais representantes do que no atual sistema majoritário, que tende a incentivar o bipartidarismo (o eleitor se sente impelido a não votar num terceiro partido, preferindo votar num dos dois grandes de modo a não “desperdiçar” o seu voto).


Trabalho no gabinete da constituinte, no bairro que a MP Thornberry representa (Islington South). É interessante porque aprendo muito sobre os hábitos de trabalho britânicos, mas também sobre como funciona na prática o sistema político do país. Recebemos demandas as mais variadas da população local. Os temas mais comuns são pessoais, geralmente ligados a imigração e moradia. Mas também acontece de algum eleitor escrever sobre problemas que não são pessoais, como um que escreveu sobre uma propaganda de um banco que oferecia cartão de crédito com taxas que ele julgava serem abusivas. Uma das minhas funções é ler as correspondências dos eleitores, registrá-las num banco de dados, repondê-las e encaminhar algum tipo de solução a seu problema, fazendo o meio-de-campo entre o eleitor e o órgão governamental que trata do problema levantado pelo eleitor.


**


Um hábito que adquiri em Londres é ver diariamente o site do The WeatherChannel. Lá, vejo a temperatura, a sensação térmica, a velocidade do vento e a probabilidade de precipitação, hora a hora. É bastante útil para planejar minhas locomoções ciclísticas pela cidade e evitar de pedalar durante algum toró.


**


Vários colegas meus foram para Copenhaguem durante a conferência climática. Um deles, alemão, me contou, via Facebook, algumas coisas que testemunhou por lá e acho interessante compartilhar com vocês, com tradução minha: “Eu vi Serra, ao vivo. Cara, espero que ele não se torne seu presidente. Talvez seja porque o inglês dele é lento, mas ele me pareceu muito pouco dinâmico. Eu não vi Lula ao vivo, vi retransmitido ao vivo num telão – seu discurso foi muito, muito melhor. Sinto inveja de seu país. Ele ofereceu mais do que qualquer outro país, pelo menos dos países mais importantes. Ele foi muito aplaudido pela platéia que o assistiam pelo telão”.


É interessante ouvir depoimentos como esse, sem o filtro da imprensa – um relato direto, sem intermediários – e sem filtro partidário – ele é alemão, não fala português e não tem nenhuma ligação com o Brasil, exceto pelo futebol.


**


Já que é período natalino, uma notícia natalina. Tem um programa de TV no Reino Unido chamado “The X Factor”. Nunca vi, mas suponho que seja algo no estilo de “Ídolos”. A cada ano, o vencedor do programa lança uma música que, automaticamente, se torna a canção mais popular do Natal (e por isso é chamada de “Christmas Number 1”). Tem sido assim há pelo menos cinco anos, desde que esse programa existe. Acontece que esse ano surgiu um movimento na Internet para combater o poderio comercial do programa. Escolheram uma música do Rage Against The Machine, “Killing in the name”, dos anos 1990. Quando me inscrevi no grupo Facebook, havia em torno de 500,000 associados. Agora, já passa de 1 milhão! Mais impressionante: esse movimento, totalmente virtual e orgânico, contra uma estrutura pesada da indústria cultural de massa, saiu vencedor: pela primeira vez em anos, a música campeã da parada de sucessos natalina não foi aquela oriunda do programa “The X Factor”: foi a música da banda americana! Quem quiser obter mais informações sobre mais esse exemplo do poder da Internet diante das instituições (econômicas, políticas, culturais) tradicionais, vale a pena visitar a página Facebook do grupo.


**


- sobre o sexto mês


domingo, 29 de novembro de 2009

Meio ano



Finalmente arrumo um tempinho para escrever algo. Já se passaram seis meses de Europa (06 de junho eu cheguei em St-Etienne) e de Londres (23 do mesmo mês, aterrisei em Stansted, um dos cinco aeroportos que atendem a cidade). Observei a evolução do verão, e a transição, em setembro, para o outono. O gradualismo das mudanças. Primeiro os dias vão se estendendo. Em um ponto, tem-se sol das 7 da manhã até depois das 9 da noite. Aos poucos, vai diminuindo. Dias cada vez menos longos, e depois cada vez mais curtos. Cada vez mais folhas amarelas nas árvores. Amarelas e laranjas. Laranjas e vermelhas. E depois essas folhas todas no chão. E o vento frio. 10 graus, mas sensação términa de 5. E quando se atravessa o Rio Tâmisa, piora. As idas e vindas de bicicleta, antes agradável; agora, com o vento que faz doer o esqueleto, apenas tolerável. Os olhos, antes deslumbrados e apreciativos da paisagem bela, fotogênica, harmônica e dinâmica, agora lacrimenjando – e não é pela beleza do que se vê. Daqui a pouco, o outono terá passado. Não restarão mais folhas que secar e cair. Minha roupa improvisada para o frio será insuficiente e inócua. A escuridão das 4 da tarde que mais parecem 8 da noite, cairá ainda mais cedo? O bom de pedalar, ao invés de me locomover de metrô, entrando e saindo de buraco feito tatu, é poder testemunhar, diariamente, a evolução desse processo.


**


Depois que escrevi o parágrafo acima, fui dar uma googlada pra saber mais sobre pedalar em Londres. Descobri informações sobre pedalar no inverno - veja aqui. Além de dar dicas de segurança e aclamar as vantagens para a saúde física e mental do ciclismo, o site da Transports for London (TFL), a empresa pública de transportes da cidade, avisa que a cidade oferece serviços como curso de ciclismo urbano, para que as pessoas adquiram confiança para pedalar no escuro.


Mas antes que alguém se preocupe, é bem tranquilo pedalar por aqui. Veja esse vídeo institucional, que promove a bike como meio de transporte: veja aqui .


Interessante notar que a TFL presta serviços que vão além do ônibus. As seções do site indicam os serviços prestados à população. A noção de transporte público é ampla e pensada de modo a atender a todos: metrô, trem, ônibus, trem urbano, transporte fluvial, transporte assistido (para pessoas com dificuldade de locomoção), tramway, automóveis, bicicletas, pedestres, ônibus interurbanos e táxis.


Descobri, ainda, que Londres vai seguir o exemplo de Lyon, Paris e Barcelona, e vai ter um sistema de compartilhamento de bicicletas, começando no verão do ano que vem. O plano está aqui.


Esse outro vídeo, também é da TFL, tem por objetivo alertar os motoristas para que se lembrem de prestar atenção aos ciclitas. Obrigado! Veja aqui.


Essa requer maior conhecimento da língua, mas vale a pena, pelo humor: assista aqui .

Não sei se é por conta delas, mas o fato é que os motoristas aqui tendem a ser respeitosos conosco.


**



Desde que as aulas começaram, em setembro, eu saí do leste da cidade e me mudei para o sudeste, que é mais central. Estou morando numa residência estudantil, chamada Sidney Webb House. O nome é uma homenagem ao fundador da London School of Economics and Political Science (Sidney e sua mulher, Beatrice, ambos sociólogos, fundaram a instituição no começo do século XX). Ele era educador e líder de importantes movimentos de esquerda da época. Suas bandeiras eram as reformas sociais e a questão da educação. Webb foi um dos fundadores do Partido Trabalhista inglês, tendo redigido parte do seu manifesto e inclusive foi Membro do Parlamento na década de 1920. Quem quiser conhecer mais sobre esse personagem interessante, de cuja existência só tomei conhecimento porque vim estudar na escola que ele fundou, é só visitar essa página: aqui .


Embora Reinaldo Azevedo provavelmente discorde de mim (ufa!), achei a homenagem meio fora de lugar. O prédio em que vivo é horripilante. Não é que seja particularmente feio. Não é. Ao contrário do meu bairro, muito charmoso, o prédio é trivial. Lembra uma prisão. O conjunto de apartamentos fecha-se em um quadrado, com janelas para fora e para o pátio interno. Por sorte, a minha janela dá para a rua. Vejo prédios, o parque, pedestres e carros eventuais, e a árvore que hoje encontra-se calva. O percurso entre a entrada na portaria até o quarto requer que sete portas sejam abertas (e fechadas). Com a bicicleta é ainda pior, porque, tendo que guardá-la, o número de portas a serem abertas (e depois fechadas) sobe para 10! Quase não se vê gente no pátio. Tem uma espécie de área comum/bar/sala de TV, mas que eu raramente vou. Lá é o único lugar que se percebe que somos centenas a compartilhar esse ambiente. Tampouco vejo meus vizinhos de andar. Bizarro. Parece, às vezes que moro só no prédio.

Quem quiser ver onde moro, é só seguir esse link: veja aqui. Tem o dispositivo “Minha Rua”, por meio do qual é possível ver imagens de satélite do prédio e dos arredores.


**


O ambiente na LSE é bastante estimulante intelectualmente. Cerca de 50% do corpo dissente é de estrangeiros (de fora do Reino Unido). Esse número sobe para mais de 60% se contarmos apenas os pós-graduandos, que compõem a maioria. Fora isso, a própria forma de ensino busca nivelar por cima. Para cada classe, temos 1 hora de “lecture” (palestra), onde o professor dá a sua aula propriamente dita – sempre com powerpoint, que é disponibilizado na internet para que possamos consultá-lo. Cada sala é equipada com computador, projetor, e demais recursos tecnológicos. Depois da palestra, temos os seminários de cada aula, onde ocorre o debate dirigido dos textos daquela aula específica. Ou seja, lemos, ouvimos e discutimos sobre os temas abordados. De vez em quando temos que fazer apresentações.

Na aula de Introdução à Ciência Comparada, por exemplo, cada semana estudamos uma abordagem teórica. Sempre lemos um texto substancial, ou seja, sobre a teoria apresentada. E dois textos empíricos, nos quais a teoria é posta em prática. Desse modo, aprendemos não só de que se trata a teoria em questão, mas também como é a sua aplicação, quais as suas vantagens e quais as suas limitações.


Os textos estão listados no site da disciplina na intranet da universidade (acesso restrito aos estudantes e professores). Lá podemos ver todo o programa do curso, semana por semana, assim como os textos obrigatórios e recomendados. A maior parte deles está disponível em versão digital, cuja leitura é possível pelo computador ou imprimindo, na universidade, com o direito autoral devidamente reconhecido. Quando a leitura só existe em livro, podemos ver no site da biblioteca um mapa que indica exatamente onde o livro está localizado. A biblioteca abre às 7 da manhã (eu acho) e fica aberta até meia-noite, todos os dias.


**


A coerência estética da cidade é impressionante. Vê-se algo que permanece, que é perene. Reconheço, na cidade, a história vivida nela. As várias épocas convivem. O passado mais remoto está ao lado do agora. E isso, apesar dos incendêndios e das bombas, que detonaram boa parte do centro. Mas foram incapazes de quebrar esse espírito.


O passado, em sendo latente, não é, porém, uma âncora a fazer com que as coisas evoluam arrastadamente. Ele dota o processo de um sentido de continuidade. Mas vive em harmonia com o dinamismo criativo que transforma a cidade constantamente. Londres está em obras, desde que cheguei aqui. Não me refiro ao nordeste da cidade, onde estão construindo as novas instalações para sediar as Olimpíadas de 2012. Me refiro a pequenas obras, públicas e privadas. Sempre tem algum conjunto de prédios antigos sendo restaurado. Ou cabos e canos sendo instalados. Calçadas sendo adaptadas para as bicicletas. E essas pequenas obras se movem semanalmente. Cada dia, nota-se um pequeno avanço. Em poucas semanas, agora em frente à residência tem toda uma calçada com ciclovia readaptada. Não teve inauração nem placas. Estão mantendo a cidade funcionando. Simplesmente. Continuidade, não continuação. A cidade é, e não apenas está, em plena transformação.


Essa transcendência temporal não ocorre apenas no plano material. Nada encorpora mais essa perenidade dinânimica do que a instituição da Monarquia. Incrível que tenha conseguido permanecer relevante até os dias de hoje. Agora há pouco, a Rainha abriu as sessões no parlamento: veja aqui as imagens . A Fala da Rainha é uma cerimônia anacrônica e excêntrica, em que a Chefe-de-Estado sai de charrete de seu castelo e vai até o Parlamento. O percurso entre a charrete e a House of Commons é cheio de firulas e convenções esquisitas – mas totalmente respeitadas. Ela lê o plano do governo incumbente. Tira-se, assim, o caráter efêmero dos governos, provendo-os com a ideia de continuidade do Estado, por meio de sua chefe. Nas questões de Governo, o pau quebra no Parlamento, em discursos emocionantes e emocionados, permeados do melhor humor britânico (os membros do Parlamento ficam tirando onda uns dos outros), veja aqui. Tem poucas coisas tão divertidas quanto assistir a um debate desses, convehamos. Quando a Rainha fala, no entanto, expressa o Estado e está acima das divisões partidárias.


O modo de urbanização inglês expressa isso que vemos na maneira de fazer política. A liberdade econômica existe, mas tem limites: que é a garantia da essência da cidade. Transformação, sim. Não destruição.


**


De vez em quando sinto falta daquelas mágicas do terceiro mundo. A roupa suja que, milagrosamente, aparece limpa, passada e dobrada em cima da cama. A louça que nunca fica suja. As refeições sempre prontas e saborosas, sem o menor esforço. Aqui, não temos nenhuma dessas mágicas. Até em restaurantes, muitas vezes temos que retirar os pratos da mesa. Daqui a pouco vamos ter que lavar a louça.


Até agora, só vi uma mágica de primeiro mundo. Dois dos meus três pullovers encolheram!


**


Existem dois tipos de cidade. Aquelas onde os habitantes a arruinam para os visitantes; e aquelas onde os visistantes a arruinam para os habitantes. Londres, sem dúvida, encaixa-se nessa segunda categoria.


**


Veja aqui as fotos do Outono Londrino. Quem quiser, é possível ver, no mapa ao lado direito das fotos, a localização exata onde as fotos foram tiradas.


London Scenes - autum 09



**


O quinta mês


segunda-feira, 9 de novembro de 2009

Eu na Aljazeera

Participei de um dos meus programas favoritos na Aljazeera, o Listening Post - que trata da cobertura da imprensa mundial dos principais temas de cada semana. Mandei um comentário sobre a estratégia da Administração Obama de enfrentar a FoxNews.


Aqui está o vídeo: assista aqui. Minha fala começa no minuto 8:50, mas vale a pena ver a reportagem inteira.


Aqui coloco a íntegra do comentário enviado:


I think that Obama's approach is both intelligent and transparent. His administration is spelling out exactly what it is going to do. Whether you agree with it or not, this is rare in any government. The way it is now, Fox has a disproportional power of influencing the agenda of public debate. FoxNews itself opted for political confrontation: it has a political agenda and behaves like a political actor. This is a political fight for agenda-setting. The White House is attempting to diminish Fox's ability to exert influence over the public debate agenda. Obama’s advisor for green jobs, Van Jones, was a victim of Fox’s assassination of reputation strategy. Instead of waiting for Fox’s attacks on the next target and then react to it, the White House took the offensive. And why shouldn’t they? As long as they're doing it openly and within the law, there's no problem. It's very different from the hidden manipulations the former administration used in order to control and set the public debate agenda.

sábado, 24 de outubro de 2009

Porquê mudei de idéia sobre o Rio2016 e Brasil2014

Depois de uma longa troca de mensagens, num intenso debate virtual, entre mim e a minha família, e também com um amigo, terminei revendo minha posição em relação à realização da Copa do Mundo e dos Jogos Olímpicos, no Brasil. Um amigo meu que mora na California me perguntou o que eu achava da escolha do Rio. Posto aqui minha resposta, só pra registrar que mudei de ideia e explico os motivos que me levaram a essa revisão.


regarding this rio thing. i was VERY skeptical about it, but after discussing it over with diogo and my parents, who are totally in favor, i have changed my mind. there was also a debate on aljazeera that i found quite insightful.
i worry especially about our lack of oversight institutions. the pan-american games in rio in '07 was, in my opinion, a total disaster in its after effects. since no public debate has followed, I wonder what lessons we as a society have drawn.
Diogo and I had a heated on-line debate over this on our blog, if you want to practice your Portuguese.

here's the aljazeera debate .


so, i changed my mind, because yes, we have loads of problems, on all levels, to deal with. but who doesn't? you have good and bad examples from all places. montreal's OG were a fiasco, financially. Barcelona's was a huge success (and one would think that Canada would organize things better than Spain). Rio has this urban violence situation. England has to deal with terrorism...

I just hope that our oversight institutions will function better this time around, that less public money will be wasted, that at least some of the infrastructure will bear in mind the public good and that some sort of lasting legacy comes out of this. I think post-Lula's Brazil will be better equipped to carry out this enterprise than the pre-Lula one which carried out the pan-american games.

I think rio's choice in large measure has to do with Lula's domestic social and economic policies and his diplomacy. To a certain degree it is a political victory for him. This, combined with the good news like the oil and those coming from the economy and how we have dealt with the crisis (as compared to other countries and to how we fared in the past) has also spread a wave of pride and optimism to all Brazilian people, which is also very important.

Sorry about the long message! I got carried away I guess!

um abração,
bernardo

---
outras informações que me ajudaram a mudar de idéia:


- Un nuevo Río para 2016

- Brazil aims to win right to host Olympic Games

- None of the violence I saw in Brazil has changed my view that giving the 2016 Olympics to Rio is one of the IOC's greatest ideas

- Rio de Janeiro woos Woody Allen movie project

- Obras do PAC: Urbanização de favelas - Complexo do Alemão

- Discurso do presidente Lula durante apresentação da candidatura do Rio

- O Rio deve essa a Lula



domingo, 18 de outubro de 2009

Cinco meses

Waterloo Bridge, no caminho de volta pra casa.


Eu continuo buscando entender a origem do meu prévio desprezo pela terra de Churchill. A imagem negativa no imaginário popular mundial é parte da explicação. Recentemente, me dei conta de outro motivo. A minha formação francófona. Os franceses implicam com os ingleses (e com os alemães, e com os belgas, e com os árabes, e com os americanos...). Mas talvez isso já seja sinal do progresso acelerado do meu processo de britanização: já estou culpabilizando os froggies pelos meus males... e já os estou chamando de froggies! Ui!


***


Crescendo no Recife, aprendi a “jogar o lixo fora”... literalmente. Jogar fora do carro, fora da casa: em suma, fora, na rua. Tempos depois, me mudei pro Oregon, onde não se joga lixo fora. Lá, passei a conjugar o verbo “reciclar”, até então praticamente inexistente no meu vocabulário cotidiano recifense. Passou a ser prática diária. Agora, estou aprendendo outra forma de lidar com o lixo (antes de ele ser compactado e enviado pro Porto de Santos em containeres clandestinos, of course). Estava outro dia na estação de trem de St-Pancras, procurando onde “jogar fora” o lixo que segurava à mão. Perguntei a um guarda, que apontou uma mesa e disse: coloca ali naquela mesa. Claro, que pergunta besta, a minha! Aqui em Londres, nem “joga-se fora” nem “recicla-se” o lixo. Como não há cestos de lixo na cidade (consequencia de ano

s de atentados terroristas do IRA, seguidos pela Alqaeda), a gente aqui “coloca o lixo”. Em qualquer lugar – numa quina do muro na rua, debaixo do banco na estação de metrô, na mesa do café da esquina... Mas ele nunca é jogado, e sim cuidadosamente colocado.


***


Brazil in London


Eu me mudei pro Borough. É um bairro bem central. Estou a 15-20 minutos de pedalada da universidade. O bairro é bem tranquilo e ao mesmo tempo central. É possível ir para qualquer parte da cidade, pedalando. Atravesso o rio Tâmisa diaramente. O mais difícil é a volta. Londres iluminada é de uma beleza incrível. É inevitável passar pela Waterloo Bridge e ficar olhando, à minha esquerda, a London Eye vermelha, brilhando no escuro; a Hungerford Bridge com seus cabos de aço iluminados, como que flutuando na escuridão; atrás dos dois, o Big Ben, imponente, elegantemente discreto com as luzes brancas destacando-o. Dependendo da hora da volta, ainda tem o céu de fim de t

arde de outono, as nuvens com diferentes tonalidades de laranja. Aprecio tudo isso em alguns segundos, porque se não prestar atenção, posso esbarroar com os carros estacionado

s na ponte (como é permitido isso?!). Mas é bom saber que no dia seguinte estará tudo lá, tão bonito quanto antes. Só o céu, que vai mudando, à medida que vamos avançando outono adentro.


***


Tenho a impressão de que o outono é a segunda pior época para os garis. A primeira é o verão, com a invasão bárbara representada pelos turistas de verão, com seus hábitos anti-britânicos de jogar o lixo fora (ao invés de “colocá-lo” no canto). À medida que o verão vai acabando, também o fluxo desses bichos migratórios (os turistas) vai diminuindo. Na proporção inversa, no entanto, dá-se a queda das folhas. E antes que o gari pudesse suspirar aliviado, “ufa! Foram embora”, o gramado dos parques,

antes cobertos de embalagens de McDonald’s, já estão tomados, dessa vez, por folhas com diferentes tonalidades de laranja e vermelho. O número reduzido de turista nas ruas e as árvores totalmente desnudas me levam a crer que o inverno é a estação predileta dos garis. A conferir.


***


Na primeira semana de aula, apareceu um stand no campus da universidade, Dr. Bike. Ofereciam conserto gratuito de bicicleta. Levei a minha, comprada de segunda mão e, portanto, em condições um tanto precárias. Meio com um pé atrás, porque onde venho aprendi que, de graça, nem injeção na testa! Mas estava anunciado: free bike repair. Levei meu meio de transporte para revisar. Enquanto o cara fazia o seu trabalho, eu perguntei qual o motivo daquilo. A prefeitura do bairro de Westminster (onde

está localizada a London School of Economics) quer incentivar as pessoas a utilizarem a bicicleta para ir para a aula e para o trabalho. Mas querem que os ciclistas usem bicicletas em boas condições. Por isso estava oferecendo aquele serviço, para garantir a segurança dos cidadãos. I’ve a feeling we’re not in Kansas anymore!


***


Às vezes parece que eles fazem isso só pra sacanear com os estrangeiros. Porque não é possível, tem umas palavras que chega a ser criminoso. Escreve-se de um jeito e pronuncia-se de outro. Algo completamente aleatório e sem sentido. Meu bairro mesmo. Borough. Mas fala-se “bora”. Até aí tudo bem. Um que levei um tempo até aprender foi o Leicester Square. Insistia em pronunciar todas as sílabas. Erradíssimo. Fala-se “léster”. Não adianta buscar sentido. Não há. Tem que decorar mesmo. As sílabas estão lá, não para serem faladas. Só pra dificultar a vida de nós, estrangeiros, que nos esforçamos herculeamente para dominar a língua de Shakespeare. Tem o bairro aqui que se chama Southwark. Eu pronunciava direito, comme il faut: “south” + “wark”. Lógico, não? Não. Regra elementar: juntou, mudou. O jeito certo é: “só-thórk”. Outra que me embananava era uma estação de metrô que eu tinha ouvido falar... eu entendia algo como “suriquis”. Isso soava mais como praia nas Alagoas do que bairro londrino! Finalment

e vi uma placa na rua e a ficha caiu e eu quase que caí pra trás com a Eureka: Era “Surrey Quays”! Um colega inglês recentemente veio me perguntar em que “rus” eu habitava. E eu sem entender do que danado ele estava falando. Que diabo de palavra seria essa. Depois de um esforço de parte a parte, entendi. Ele estava perguntando qual era o meu “halls” (residência estudantil)!


***


Continuo me surpreendendo com a polícia aqui. Eles montaram um stand vizinho ao do Dr. Bike. Minha bicicleta foi registrada, com um número permanentemente afixado. Se for roubada, basta que eu avise à polícia, que terá a descrição da minha bicicleta em seus arquivos e, encontrando-a, me avisarão por E-mail - http://www.bikeregister.com/ . O número de registro é carimbado de tal modo que não é possível retirá-lo. Ocorreram mais de 17 mil roubos de bicicleta entre abril do an

o passado e março desse ano. O bairro onde está a universidade foi onde ocorreu o maior número de roubos (436 entre abril e agosto desse ano). A ideia do registro tem o intuito de inibir a atuação dos ladrões. A polícia estava no campus para ajudar. E inserida na política mais ampla da prefeitura de incentivar o transporte limpo. Ainda acho estranho essa ideia de polícia amiga. Soa como oxímoro. Pensamento de brasileiro, I guess...


***


As aulas começaram. A London School of Economics and Political Science (LSE) é um meio increvelmente cosmopolita. Não é por acaso: faz parte da política da universidade atrair estudantes de todas as partes do mundo. Assim como professores. Eu tenho um professor uruguaio (que também é o meu supervisor acadêmico), um sul-coreano, um americano e um britânico (galês). Tenho colegas do mundo inteiro. Inclusive um que se auto-intitulou de “the weird one” (o estranho): é nativo de

Londres. A biblioteca da LSE é a maior biblioteca de ciências sociais do mundo. Taí uma megalomania que não é ridícula. E, de fato, temos acesso a um acervo rico e plural. Quase todas as leituras das aulas estão disponíveis nas nossas páginas pessoais virtuais. Lá, podemos baixar os textos e imprimi-los na própria biblioteca, com a nossa senha, e dentro da lei – pagando direito autoral e tudo. Há muitos computadores para que os estudantes possam fazer o seu trabalho, e eles estão integrados em rede, de modo que eu possa guardar os meus arquivos e ter acesso a eles a partir de qualquer computador do sistema. As minhas disciplinas esse termo são: Desenvolvimento Latino Americano no Século XX: de liberalismo a neo-liberalismo; o Estado e Instituições Políticas na América Latina; Introdução a Política Comp

arada.


***


Até agora, sigo adorando Londres, com clima frio e tudo. Soube que o teste de fidelidade com a cidade é o inverno. Vamos ver como me sairei. O teste do outono, estou passando: so far, so good.


***


Veja aqui fotos do meu verão londrino. Reparem no mapinha ao lado direito da tela a localização exata de cada foto!




De vez em quando uns hare krishna aparecem no campus

oferecendo uma gororoba gratuita. É um sucesso.


***


Mês 1


Mês 2


Mês 3


Mês 4


sexta-feira, 16 de outubro de 2009

Brasil e Irã

Tem gente criticando o presidente Lula por se encontrar com o maluco do Ahmadinejad, o presidente do Irã, em dezembro. Essa mesma gente criticou a política externa lulista quando o Brasil se aproximou de outro maluco, Gaddafi, da Líbia. Aí, em seguida, o outro maluco, W. Bush, ficou de bem com ele, e aí isso deixou de ser um problema para o Brasil, na visão dessa mesma gente. Só deixará de ser um problema para o Brasil relacionar-se com o Irã quando deixar de sê-lo para os americanos, de novo? Enquanto tem gente que fica com inquietações metafísicas, a China está lá no Irã, realizando comércio. Comprando petróleo. E vendendo tudo o resto. (Olha aqui nessa reportagem ).

terça-feira, 13 de outubro de 2009

Sem direito a estudar

Um estudante foi aceito pra estudar na London School of Economics, mas não pôde vir. O governo não permitiu que ele deixasse seu país. Trata-se de um palestino que não está frequentando as aulas porque o governo de Israel não permite que os habitantes de Gaza saiam livremente de seu país.

Os estudantes aqui em Londres da LSE estão tentando se mobilizar para ajudar a trazê-lo para o Reino Unido para que possa dar continuidade à sua formação. Quem quiser se informar mais ou participar da campanha virtual, vá no site: http://letothmanstudy.wordpress.com/campaign-statement/

sexta-feira, 2 de outubro de 2009

O debate que nunca houve

Essa história dos JJOO me fez lembrar do debate travado aqui no blog, entre Diogo e eu, sobre os Jogos Pan-americanos de 2007.

Diogo defendeu: aqui.
Eu critique: aqui.
E Diogo fez um balanço geral: aqui.

É interessante reler e reviver. Percebemos que nenhuma lição foi tirada da realização daquele evento, nenhum debate público o sucedeu. Mesmo diante do descalabro que foram os 4,5 bilhões de reais torrados nisso (ante uma estimativa prévia de 400 milhões de reais). Se não discutimos e ninguém foi punido, a lição dos que perpetraram o desperdício de verba pública não é outro senão: "êba!" E vão fazer tudo denovo...

quarta-feira, 30 de setembro de 2009

3 erros do PiG na questão hondurenha

A imprensa brasileira dá um nojo que é indescritível. Agora mesmo, o presidente Lula acaba de receber um prêmio internacional importantíssimo - veja aqui. A repercussão na imprensa mainstream, tão acertadamente apelidada por Paulo Henrique Amorim de PiG (Partido da Imprensa Golpista), foi mínima, para não dizer inexistente. Fiquei sabendo só pelo blog do Nassif.

A total ausência dessa informação de interesse do povo brasileiro - seu líder acaba de ter sua liderança e suas políticas reconhecidas por renomada instituição de pesquisa - só se torna menos absurda diante da cobertura patética do PiG em relação à questão hondurenha.

Primeiro erro: tomar posição. Antes de entrar no mérito, não cabe à imprensa, ou pelo menos ao meio de comunicação que se pretende sério, fazer juízo de valor. Isso é feito na parte de opinião, em Editorial ou coisa que o valha. Mas vá lá, existem ótimos jornais de opinião, que apresentam a notícia criticamente, balisado em ideiais coerentes (The Economist é o melhor exemplo disso). Aí vem o segundo erro.

Segundo erro: a incoerência. O PiG é contra a posição do Itamaraty. Mas é contra porque age igualzinho à oposição republicana a Obama: por puro reflexo. Se é Lula, está errado. Eis o lema do PiG e de seus seguidores. Quando o Governo popular e democrático boliviano agiu dentro do marco legal de seu país, por meio das vias instititucionais, de acordo com seu interesse legítimo e soberan0, essa mesmíssima turma do PiG exigia do presidente Lula uma postura agressiva, beligerante mesmo - e, no melhor estilo neo-con, acusavam o governo de covarde e fraco (alguns exemplos aleatórios, só pra refrescar a memória: aqui, aqui e aqui). Agora, esses imbecis cobram do governo isenção e não-intervenção nos assuntos domésticos de país que teve o Estado de Direito rompido. (A Veja, sempre surpreendendo, chegou ao ponto de pedir o impeachment do Presidente Lula - olha aqui).

Terceiro erro: Não tem lógica nem faz sentido, como esse artigo do El País deixa bem claro, a oposição conservadora à atitude da diplomacia brasileira... O terceiro erro é do leitor/telespectador que ainda leva a sério essa bosta dessa imprensa brasileira, que é oligopólica, elitista, corrpupta e (neologismo warning!) sócio-geo-etno-cêntrica.

E só pra deixar claro, se é que ainda resta alguma dúvida, de que a oposição à política externa lulista é totalmente ideológica e desprovida de razão, não é só no El País que se defende a ação brasileira. Artigo da insuspeitíssima Time - leia aqui - também aprova. Leia o PiG quem quiser... A web está aí pra nos liberar dessa desgraça. Amém!

quinta-feira, 24 de setembro de 2009

4 meses

janela da cozinha


Nunca me interessou vir pra Inglaterra. Tirando o aspecto histórico, literário e cinematográfico – ou seja, coisas totalmente teóricas e não palpáveis – nada me dizia a Inglaterra. Não sei bem porquê… Talvez por cenas como aquela de Snatch. O personagem Avi decide ir pra Londres (aqui). Alguém indaga: “Londres?”. E Avi: “Yeah, London. You know, fish, chips, a cuppa tea, bad food, worse weather and Mary fucking Puppins” (Pra vovó Ivandete, que não fala inglês – na época dela se aprendia francês, ou era latim? “É Londres, tá ligado? Peixe, batata frita, uma xícara de chá, comida ruim, clima pior e a porra da Mary Poppins”). Essas tiradas, além de engraçadas, refletem e ao mesmo tempo reforçam uma certa visão que se tem da Inglaterra. Cinzenta, fria, desagradável... A imagem que se tem da Inglaterra, no imaginário popular mundial, é a pior possível. Como esse diálogo de “Snatch” tão bem captura. Quando Avi volta pros Estados Unidos, o agente da aduana pergunta se ele tem algo a declarar. Resposta: “Yeah: don’t go to England!” (“Sim: não vá pra Inglaterra!).

Para piorar, a única vez que vim pra Londres, foi há mais de dez anos, em 1995, em viagem de família. A capital inglesa era a primeira parada europeia de uma viagem que começou no Oregon, na Costa Oeste dos Estados Unidos! Decalagem de horário: 8 horas! Para frente! Chegamos aqui em pleno dia, quando, mentalmente, era tarde da noite. E como íamos ficar pouco tempo na cidade, tínhamos que aproveitar cada momento... Deixamos as coisas no hotel e fomos pegar o ônibus turístico. O sol quente do verão na cabeça, e o que eu mais me lembro dessa viagem foram as pescadas que eu, Diogo e Letícia demos durante todo o percurso. Fora isso, só me lembro de duas outras coisas: o chuveiro do hotel era minúsculo, no meio do quarto... a gente tomava banho encaixotado, mal podendo se esfregar senão derrubava a “caixa”. E o museu da tortura... macabro! Pra piorar, de Londres, iríamos pra França e Itália...

Desde então, nunca tinha voltado aqui. Mais por falta de vontade do que de oportunidade.

Por tudo isso, Londres tem sido uma bela surpresa. Cada vez gosto mais daqui. São muitas cidades numa mesma cidade. Talvez por isso que o nome seja no plural: Londres! Cada semana é uma descoberta.

Tem um bar que toca forró toda quinta-feira – um dos músicos é o filho de Geraldo Azevedo. Tem um monte de brazucas, mas tem vários gringos também. Noutro lugar, no “Ain’t nothing but the blues”, toca blues de primeiríssima qualidade, ao vivo. Outro “pub” que eu fui, o “Hole in the wall” (“buraco no muro”), tem um das últimos fliperamas da cidade e tem o charme de ficar em baixo do trilho de trem – de vez em quando rola aquele som do trem: “vuco-vuco-vuco”. Tem um pub perto aqui da minha casa que anuncia, orgulhosamente, ser o local de nascimento (“the birhplace”) da banda Iron Maiden. Os pubs são verdadeiras instituições inglesas. Todo bairro, quase toda rua tem um. E quando dá seis horas da tarde, eles ficam lotados. É regra, depois do trabalho, as pessoas irem tomar umas “pints” no bar, antes de voltar pra casa. O inglês típico tem o seu bar de costume. Eu não tenho o “meu” pub. Ainda estou na fase exploratória. Uma coisa bem típica aqui é o “pub crawl”, em que se vai de bar em bar, tomando uma “pint” em cada um. Um trajeto típico é seguir a Circle Line, a linha circular do metrô, e descer em cada parada, ir no primeiro pub que encontrar, tomar uma “pint” e voltar pro metrô pra ir até a próxima estação e repetir fazer tudo denovo. Até fechar o círculo (se conseguir). E tem os jogos. Por exemplo, se pegar o copo com a mão errada (tem que segurar com a direita, aparentemente), então tem que virar o copo. E no metrô, não pode se segurar em nada – e se cair, vira uma pint inteira no próximo boteco. Brincadeira de inglês. Mas fechar o círculo é façanha que só os profissionais do copo são capazes de realizar. Ainda não cheguei lá. Continuo explorando os pubs. Essa semana fui a um, o Power’s Bar, que tem blues ao vivo. Antes, tinha ido a outro, o Ain’t Nothing But The Blues. Cerveja boa e música ao vivo de primeira.

***

Em agosto teve o famoso carnaval de Notting Hill. A festa existe desde os anos 60 e, originalmente, começou como protesto de migrantes caribenhos contra o preconceito racial. Com o passar do tempo e a melhoria das relações raciais, o aspecto político foi ficando de lado e só restou mesmo a parte da gréia. Hoje, a festa é o maior evento de rua da Europa. Eu tinha ouvido coisas negativas – de brasileiros, dizendo que não era lá essas coisas e de ingleses, que em geral acham a festa “perigosa”. Ambos estão errados. É uma festa aberta e divertida. Esse, sim, é o verdadeiro carnaval multi-cultural: tem reggae, música eletrônica, samba, rockabilie... Com algumas vantagens em relação ao nosso período momesco. No topo da lista, destaco o fato de você brincar carnaval o dia inteiro e sair limpinho, sem uma gota de suor! Isso é uma das coisas que mais incomoda em Olinda: sair todo molhado, sem saber se é meu suor ou o alheio, ou se é o mijo que sacudiram no copo descartável. Tem também semelhanças: houve um momento que me movi involuntariamente, sendo levado, literalmente, pela multidão, no melhor estilo olindense. Já a violência a que os gringos aludiam... coitados. No final da festa, houve uma correria, eu e meus amigos nos protejemos entre os banheiros químicos. Perguntamos a outro folião o que estava ocorrendo. Alguém havia dito que tinham jogado uma garrafa. Ah, rapaz! Na minha terra, quando tem tumulto, é bala mesmo! Assim é muito bom, dá uma emoçãozinha, mas logo tudo se resolve. E você sabe que, na pior das hipóteses, só vai levar uns pontinhos na testa – e isso, eu já tenho!

***

auto-retrato no espelho do elevador


Depois que voltei da viagem pra Barça e Lausanne, não voltei para o mesmo trabalho de panfletagem que tinha. Fui pra outro. Distribuir panfletos da pizzaria Domino’s, anunciando sua nova pizza Chicken Tikka com molho de manga, de casa em casa, colocando-os nas caixas postais alheias. Ou seja, distribuidor de lixo. Era um trabalho extenuante. Cinco horas por dia, sem intervalo para nada, andando sem cessar, subindo e descendo escadas de prédios, depositando entre 800 e mil panfletos por dia. O lado bom é que conheci partes da cidade que de outro modo jamais conheceria. Regiões residenciais que nunca teria tido a oportunidade de conhecer. Vi todo tipo de habitação inglesa, das mais elegantes até as mais chinfrins. E ainda dava umas espiadas nos apartamentos e casas das pessoas, por pura curiosidade mesmo, através do buraco na caixa de correio. Senti os mais diversos cheiros e odores, alguns que remetiam à minha infância, outros ao meu período oregoniano, outros a restaurantes indianos, e outros que é melhor nem mencionar! O lado negativo: é chato pra cacete e fisicamente exaustivo.

Depois de duas semanas de trabalho, avisei, conforme o contrato, com duas semanas de antecedência, que teria que sair, pois iria me mudar pro sul da cidade. A mulher me disse que eu não precisava voltar e que terminariam o meu contrato logo ali. Minha vontade foi de abraçá-la. Mas, como ela achasse que estava me punindo, pensei duas vezes... vai que ela voltava atrás, se eu demonstrasse satisfação... fiquei na minha.

Minha conclusão, depois dos dois trabalhos de verão que tive: jamais poderia ser imigrante ilegal. Chiei com uns trabalhos que pagavam ligeiramente acima do salário mínimo, com horários decentes e relações trabalhistas legalizadas. Não teria sobrevivido as condições árduas que os ilegais enfrentam. Nunca é demais agradecer ao tataravô que migrou pro Brasil e, por acidente do destino, ficou em Recife. Grazzie mille!

***

Aqui na Inglaterra está a maior onda natureba. Todos os políticos, de todos os partidos, estão atualmente “ecologicamente” conscientes. Todos se preocupam com o tamanho de sua “pegada ecológica” (a quantidade de carbono que suas atividades cotidianas emitem). O prefeito, por exemplo, pedala para o trabalho. Tem um outro político que reduziu o consumo doméstico de energia. E por aí vai. Mas está se chegando a um ponto que beira o ridículo. As pobres das vacas estão prestes a tornarem-se inimigas número um da camada de ozônio. A quantidade de carbono que ela emite durante um ano é equivalente à poluição gerada por um carro. Agora danou-se. A pobre da vaca não pode nem peidar em paz! O que propõem os verdes? Rolha?!

***

Fui ao meu primeiro jogo de rugby. Pra minha surpresa, é divertido! Não é mais uma excentricidade francesa! É empolgante e cheio de ação. Só não sei bem torcer direito. Decorei os principais gritos: “Take him down!” (Derruba ele!), “Come on!” (Vamos!), e um outro que me fugiu à memória agora! E eu nem sei o contexto adequado para utilizá-los... Pelo menos já tenho o time, que é o mesmo do pessoal que me levou, por gratidão. E também porque tem uma ligação com nossa terra. O time se chama Harlequim. Achei bastante adequado eu torcer pra esse time.

***

Aos poucos vou encontrando as minhas coisas por aqui. Por exemplo, achei o meu supermercado. É o supermercado dos meus sonhos. Me lembro quando a Sadia lançou a linha de produtos HotPocket. Fiquei muito feliz, pois desde que saí de casa – que, aliás, nunca foi uma casa em que o ato de cozinhar fosse muito estimulado – que cozinhar sempre era um problema. Me senti contemplado, como público alvo, dessa nova linha de produtos. Prático, rápido e não é a pior coisa do mundo. Nada que um bom e velho ketchup Heinz não posso dar um jeito. Pois bem, aqui tem uma loja inteira de produtos “práticos, rápidos e que não são as piores coisas do mundo”. Se chama, muito sugestivamente, Iceland. E eu já fiz o meu cartão de fidelidade!

***

Próximo relato, novidades. Casa nova, início de curso e o começo da brincadeira.


minha casa vista pelos fundos

quinta-feira, 17 de setembro de 2009

Comentando o preconceito

comentários do Facebook ao texto abaixo


Alexandre Cavani Rosas
Caralho, Bernardo. Que comentário mais mainárdico desse teu amigo.
Damn!

Guilherme Rocha
Já eu pensei que o vídeo da candidatura Rio2016 tinha sido preparado exclusivamente por computador. Tipo quando empresas de videogame recriam cidades para destrui-las em seus jogos.
Não tem mistério, o Rio tem uma beleza de outro mundo, mas um tour virtual pela cidade sem ver favela é piada.
no mais, adorei o teu texto.

Paulina Roig Lira
hard to believe in such "nazi" comment...
e o video mostra um rio que nunca vi, realmente fabricado. Uma pena, pois e realmente uma cidade muito bonita. Porem fingir que as favelas nao existem e um pouco demais!

João Lima
a maior ignorância é, depois de tanto (colonização, miscigenação, etc), ainda ter alguém que acredita em pureza e pior, defende a separação. Esse teu amigo advogado está reprovado em história, ética, lógica, sociologia... e vive às custas de um povo, pobre e miscigenado.
boa berna, mande brasa!

Tchelo Guedes
ta na hora de tu rever suas amizades...

Jorge Santos
mais uma coisa, lembra ao amigo carioca que o Rio não está nem entre as 100 melhores cidades em IDH do Brasil.. Niterói e Macáe não as únicas no estado.. pq será?

Diogo Loureiro Jurema
burro, limitado, preconceituoso, prepotente, arrogante, sem-vergonha, elitista. devia morrer de uma bala perdida pra deixar de ser tudo isso, porque esse daí, só nascendo de novo.

Joao Filipe Muniz
Pelo menos ele teve a coragem de externalizar que pensa sobre a desigualdade regional, se ele mostrar argumentos razo... Saiba maisáveis tem todo o direito de pensar desta forma. Realmente há um forte fluxo migratório para o eixo Rio - SP; e algumas interpretações da legislação tributária nacional afirma que recursos que seriam destinados ao estados mais ricos acabam indo parar no NE.
Não acredito que as olimpíadas deva ser uma medida compensatória para tal fenômeno, que vai muito alem deste argumento encontrado em diversas obras acadêmicas, mas é bom ter gente pensando assim por que a gente aprende a não ser tão idiota e mesquinho com os outros sem precisar nunca na vida passar por um papel deste.
Ahhh, se um dia as olimpíadas de verão forem no Brasil, acredito que o rio seria o local.

André Bandim
pipo, com todo o respeito, há formas menos hostis de educação para a generosidade. e veja bem, se sofrer preconceito fosse sinônimo de crescimento pessoal e tolerância, o nordeste seria um templo de paz e amor :)