PSOL não diz a que veioA esquerda que só grita atrapalha a esquerda que quer trabalhar.
Desde o seu princípio, penso que o partido liderado por Heloísa Helena já nasceu fadado ao fracasso. Para não colocar em termos tão taxativos, melhor seja dizer que o partdo é destinado a ocupar um espaço marginal na política brasileira.
Isso porque o seu núcleo embrionário tem origens em setores específicos da sociedade. Seu DNA é sindicalista e só – falta-lhe organicidade e representatividade. O partido pode ser considerado, numa definição técnica, como “de elite”, pois foi criado de cima para baixo, por parlamentares. Parlamentares estes que foram expulsos do PT por contrariarem a orientação partidária, a qual ia de encontro aos interesses das suas constituintes, qual seja, certos setores do sindicalismo mais retrógrado.
Em 1985, o PT havia fechado questão pela abstenção na eleição presidencial indireta. Certo ou errado, a bancada do partido, então minúscula, daria voz a setores da sociedade insatisfeitos com aquela situação. Uns dois deputados votaram em Tancredo e foram expulsos por isso. Em 2004, com a maior bancada do Congresso, a mesma punição foi aplicada aos dissidentes.
Fazer parte de um partido político significa aderir à sua macro-agenda programática. Cada parlamentar tem sua micro-agenda, representando certos setores e interesses variados da sociedade. Os parlamentares que criaram o PSOL o fizeram porque viram sua micro-agenda – individual, particular – ser contrariada, com a necessária Reforma da Previdência. O PSOL é um partido de micro-agenda – e esse é seu vício de nascença – cuja constituinte essencial são setores sindicais mais conservadores, aos quais se agregam setores da classe média média suscetíveis ao seu discurso moralista (aquela mesma que compra produtos piratas e contrabandeados enquanto expressa indignação com a corrupção – alheia – em correntes de e-mail). O PSOL representa interesses particulares assim como qualquer outro partido político. O que o diferencia dos partidos tradicionais de centro e de direita e o aproxima dos de esquerda é a ativa vida partidária (e mesmo isso vem mudando, como observa-se a tentativas no PFL e no PSDB de estimular uma mínima cultura partidária).
O reflexo da micro-agenda psolista é a atuação do partido: restringe-se à fácil “questão ética” (afinal, quem se lhe opõe?). Mas isso é muito pouco para que uma agremiação pretenda se consolidar como num partido, de fato, expressivo. Pois é válido se perguntar como se posiciona o partido em relação a outras grandes questões nacionais – tão importantes quanto, senão mais do que o monotema psolista –, às políticas do Governo Lula, por exemplo, na Cultura, na Saúde, na Educação, na distribuição de renda ou na política externa? Não se sabe.
O discurso estridente, raivoso da líder máxima do partido, sob um verniz supostamente popular, não encontra ressonância alguma na população, senão em segmentos sindicais e na pequena burguesia com complexo de culpa mais sujeita à sua demagogia moralista (juntos, chegam aos 6% que teve sua candidata no ano passado). O PSOL é, afinal de contas, resquício de infantilismo político, característico daquela esquerda anacrônica incapaz de exercer o poder; imaturidade remanescente dos primórdios da redemocratização, conseqüência de seu distanciamento, desconexão total em relação à sociedade brasileira contemporânea. A rejeição primitiva a “tudo isso que está aí” não encontra respaldo numa população em que os 10% mais pobres tiveram aumento de quase 60% em sua renda, no primeiro mandato Lula (segundo pesquisa da FGV). Pela primeira vez no país, a proporção de miseráveis caiu abaixo dos 20% da população (IBGE). O moralismo prepotente de um Ivan Valente ou a retórica endiabrada e auto-suficiente de uma Luciana Genro não encontram eco no povão, ficando restrito o seu alcance ao Leblon de Manoel Carlos e César Maia.
O maior erro do partido, porém, é a sua incapacidade de tirar lições da história recente do Brasil. A sociedade brasileira vem se aperfeiçoando aos poucos, nas últimas duas décadas. As transformações vêm se dando sem se centrar em uma pessoa específica e sem voluntarismos: são orgânicas.
A representatividade do PT, que soube evoluir e tornar-se um partido governante de esquerda, não vinha de seus setores demagógicos e moralistas (daí vinha apenas sua visibilidade). Mas sim, dos seus setores mais ligados à sociedade civil organizada. O ineditismo da formação do PT advém da diversidade de micro-agendas nele contidas. Esta ligação intrínseca aos movimentos sociais se traduz em posicionamentos adotados no Congresso Nacional e em políticas públicas implementadas quando no governo.
Não é à toa que dentre as áreas do Governo Lula que são mais bem avaliadas, tanto por técnicos quanto pelo povo, estão aquelas em que mais há envolvimento da sociedade civil organizada: por exemplo, nos Ministérios do Desenvolvimento Social, na Cultura, na Educação e na Saúde. Isso para não falar nas políticas setoriais (as dos negros, das mulheres, dos homossexuais, dos quilombolas...).
A pobreza do discurso moralista único, encampado pelo PSOL, revela ainda outro erro de análise. A corrupção não se acaba nunca (até na Finlândia ela existe), nem diminui da noite para o dia. Ela é dirimida com o fortalecimento das instituições. E isso vem claramente ocorrendo no Brasil. Temos um governo mais transparente e uma sociedade menos tolerante com certos comportamentos até recentemente tidos como lugares-comum.
Em suma, o PSOL encontra-se na contra-mão da história. Por trás de seu discurso pretensamente universalista e francamente arrogante, a verdade é que o partido surgiu por e para defender interesses de grupos particulares. Restrito à sua base eleitoral ínfima e não-representativa da sociedade brasileira, não irá muito além disso que é hoje (aqueles 6%), servindo antes como linha auxiliar da direita (ao atuar sistematicamente no Congresso ao lado do PFL, PSDB e PPS) do que como ativo colaborador da luta pela adoção de uma macro-agenda progressista no país.